A temática da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no contexto laboral não é novidade, mas ganhou novo impulso com a publicação, em maio de 2023, da Diretiva (UE) 2023/970.

Embora publicada e em vigor há mais de um ano, esta Diretiva parece ainda não ter merecido a devida atenção por parte de muitas organizações em Portugal.

Com efeito, e segundo recentes estudos sobre transparência salarial em Portugal, embora a maioria das empresas abrangidas pelos estudos tenham manifestado estar a trabalhar sobre o tema da transparência salarial, a verdade é que quase metade das mesmas revelou ainda não conhecer a Diretiva e as implicações da mesma.

O facto de o prazo para a sua transposição apenas terminar em junho de 2026 poderá estar a contribuir para que as organizações não tenham até agora sentido urgência em antecipar as implicações que dela decorrem.

É certo que em Portugal já vigora a Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, cujo finalidade é promover a igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor, nomeadamente impondo às empresas a obrigação de existência de uma política remuneratória transparente, cujo cumprimento tem sido amplamente escrutinado pela Autoridade para as Condições do Trabalho (“ACT”) nos últimos tempos, assim como a Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto, que estabelece o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa, e, bem assim, a Lei n.º 26/2019, de 28 de março, que estabelece o regime da representação equilibrada entre homens e mulheres no pessoal dirigente e nos órgãos da Administração Pública.

Sucede, contudo, que de acordo com os últimos dados recolhidos pelo Barómetro das Diferenças Remuneratórias entre Mulheres e Homens, divulgados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, referentes ao ano de 2022, verifica-se um ligeiro aumento da disparidade salarial entre homens e mulheres face ao ano de 2021, tendência que, desde 2010, vinha sendo contrariada.

A nova Diretiva impõe um conjunto de obrigações às empresas em matéria de transparência salarial que implicarão, após a respetiva transposição, uma alteração considerável do enquadramento sobre a matéria (quer no setor público quer no setor privado).

 

Quais são então as principais obrigações constantes da Diretiva em matéria de transparência salarial?

Candidatos a emprego

(i)     Os candidatos a emprego terão direito a receber informações sobre a remuneração inicial ou o seu intervalo para o posto de trabalho a que se candidatam, antes da entrevista de emprego (por exemplo, por meio de anúncio de emprego).

(ii)     Adicionalmente, os candidatos não deverão ser questionados sobre qual a remuneração auferida no seu atual ou anterior emprego, acabando-se, assim, com as perguntas feitas nas entrevistas sobre expetativas salariais.

(iii)     Os anúncios de oferta de emprego e as designações dos cargos devem ser neutros em termos de género, e os processos de recrutamento deverão ser conduzidos de forma não discriminatória.

Trabalhadores

(i)     Os trabalhadores deverão ter acesso aos critérios utilizados para determinar a sua remuneração, os níveis de remuneração e a respetiva progressão. Tais critérios deverão ser objetivos e neutros em termos de género.

(ii)    Mediante solicitação escrita, os trabalhadores deverão ter acesso às informações sobre o respetivo nível de remuneração individual e sobre os níveis de remuneração médios, desagregados por sexo, para as categorias de trabalhadores que executem trabalho igual ou trabalho de valor igual ao seu.

(iii)   Os trabalhadores não poderão ser impedidos de revelar a sua remuneração com a finalidade de garantir a aplicação efetiva do princípio da igualdade de remuneração, passando a estar vedada a possibilidade de se incluir uma cláusula no contrato de trabalho sujeitando tal informação ao dever de confidencialidade.

(iv)   Os trabalhadores que se considerem lesados na sequência da violação de um direito ou obrigação relacionado com o princípio da igualdade de remuneração terão direito a pedir uma indemnização pelos danos sofridos ou a sua reparação integral, ficando o ónus da prova de que não se verifica qualquer violação a cargo do empregador sempre que aqueles apresentarem elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação.

Empregadores

(i)      Os empregadores serão obrigados a informar, anualmente, todos os trabalhadores sobre o direito que lhes assiste de solicitarem e receberem as informações relacionadas com a remuneração.

(ii)     Os empregadores com 100 ou mais trabalhadores passarão a ter de comunicar periodicamente à ACT as informações sobre disparidades remuneratórias existentes entre os trabalhadores femininos e masculinos.

A este propósito, destacamos que a Lei n.º 60/2018 já possui um âmbito subjetivo mais alargado, estendendo a necessidade de implementar um plano de avaliação de diferenças remuneratórias a empregadores com mais do que 50 trabalhadores, pelo que se antecipa a possível manutenção deste limite para efeitos das obrigações decorrentes da Diretiva. 

(iii)     Caso as informações apresentadas revelem uma disparidade remuneratória entre os trabalhadores femininos e masculinos superior a 5%, os empregadores terão de apresentar a respetiva justificação, de forma objetiva e neutra em termos de género.

(iv)     Se a justificação não for apresentada ou a diferença não for corrigida no prazo de seis meses a contar da data em que as informações sobre disparidades remuneratórias são comunicadas, os empregadores serão sujeitos a uma avaliação conjunta das remunerações realizada em cooperação com os representantes dos respetivos trabalhadores, a fim de identificar, corrigir e prevenir diferenças de remuneração entre trabalhadores femininos e masculinos que não sejam justificadas com base em critérios objetivos e neutros em termos de género.

(v)     Para além do pagamento de eventuais indemnizações aos trabalhadores, poderão ser aplicadas outras sanções às organizações em caso de não cumprimento das obrigações em matéria de transparência salarial, tais como coimas.

 

O que devem as organizações começar já a promover em matéria de transparência salarial?

Não obstante faltar mais de um ano e meio para o termo do prazo para a transposição da Diretiva e de não serem conhecidos os exatos termos em que a mesma será implementada em Portugal, as organizações deverão começar a preparar e implementar algumas medidas que tenham em vista promover a transparência salarial:

  • Implementação e/ou revisão da política remuneratória transparente em vigor;
  • Ações de formação em matéria de discriminação remuneratória;
  • Identificação dos postos de trabalho existentes e análise crítica das diversas componentes dos mesmos para apuramento de eventuais diferenças remuneratórias entre postos de trabalho de igual valor;
  • Elaboração de planos de ação para igualdade remuneratória;
  • Revisão de estruturas remuneratórias e de progressão na carreira;
  • Revisão da informação colocada em processos de recrutamento e de seleção;
  • Revisão dos contratos de trabalho.

As organizações devem olhar para as medidas decorrentes da Diretiva como uma oportunidade para o negócio, já que, ao eliminarem fatores de discriminação, não só se tornam mais atrativas, como favorecem a constituição de uma força de trabalho mais diversa, com os benefícios a isso associados. Desta forma, a antecipação de muitas das medidas descritas por parte das organizações constituirá seguramente uma vantagem competitiva.  

Nesse sentido, a antecipação de medidas alinhadas com as diretrizes impostas pela Diretiva da transparência salarial, mais do que uma medida de gestão prudente das organizações, deve ser assumida como uma prioridade estratégica face ao impacto no negócio, nos custos e na gestão de pessoas que a omissão acarretará.

E a sua empresa, já começou a implementar medidas para promover a transparência salarial e mitigar as disparidades remuneratórias?