É notório que a estrutura etária da população portuguesa tem vindo a sofrer alterações significativas nas últimas décadas, fruto do aumento da esperança média de vida e da diminuição da natalidade. No triénio 2021-2023, a esperança média de vida à nascença, em Portugal, foi de 81,17 anos (78,37 anos para os homens e 83,67 anos para as mulheres). O último ano em que se registou um número de nascimentos capazes de assegurar a reposição geracional foi o de 1983. Perante este cenário, as projeções apontam para que, em 2050, acima de um terço da população residente em Portugal tenha mais de 65 anos.
Em face da ausência de reposição geracional e do envelhecimento da população, poder-se-ia supor existir atualmente um maior número de empregos para um menor número de trabalhadores. Contudo, esta suposição não parece verificar-se. Desde logo, porque o aumento da esperança média de vida faz com que as pessoas se mantenham tendencialmente ativas no mercado de trabalho por mais tempo, seja para terem uma ocupação e uma rotina, seja devido ao aumento da idade da reforma, ou ainda, e com cada vez maior frequência, pela necessidade ou conveniência de complementar a pensão de reforma atribuída pelo Estado. A este propósito, é relevante notar que, em 2023, a duração média da vida de trabalho em Portugal foi de 39,1 anos, situando-se entre as mais longas da União Europeia.
Na análise deste fenómeno e em paralelo, não podemos ignorar a crescente proliferação das tecnologias no mercado de trabalho, bem como o impacto já sentido na automação de diversos empregos, resultado da pressão das organizações para simultaneamente otimizarem custos e maximizarem a produção. Perpassando esta realidade, acresce ainda a incerteza relativa ao impacto que a inteligência artificial poderá acarretar para os empregos num futuro próximo, tornando a temática da multigeracionalidade no trabalho ainda mais complexa e premente.
A atual estrutura etária da população, caracterizada pela tendência para o envelhecimento, representa, por isso, um desafio significativo tanto para o Estado quanto para as organizações.
No que diz respeito ao Estado e em relação às políticas de emprego, Portugal, à semelhança de outros Estados, tem proporcionado aos empregadores determinados benefícios fiscais que estimulam a empregabilidade dos mais velhos ou dos mais novos, através de medidas geridas pelo IEFP, e outras de isenção ou redução de contribuições a cargo do empregador, administradas pelo Instituto de Segurança Social, sendo que também têm sido aprovadas medidas legislativas, em particular no Código do Trabalho, com o propósito de fomentar a empregabilidade dos trabalhadores em função da respetiva faixa etária.
Em rigor, muitas das medidas legislativas têm por base uma diferenciação em função da idade que encontra fundamento na Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000. Esta Diretiva estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, permitindo, no entanto, que os Estados-Membros prevejam diferenças de tratamento com base na idade desde que não constituam discriminação, isto é, que sejam objetiva e razoavelmente justificadas por um objetivo legítimo, e desde que os meios para alcançar esse objetivo sejam apropriados e necessários.
Em relação às organizações e em particular no plano da gestão de recursos humanos, os desafios decorrentes da multigeracionalidade que se apresentam são de outra natureza, sendo também cruciais.
O envelhecimento da população e o adiamento da reforma resultam na coexistência de várias gerações nas organizações, o que, considerando as distintas características de cada uma delas, transforma a gestão das pessoas numa tarefa ainda mais complexa, sobretudo quanto está sujeita à constante pressão de preconceitos, o denominado fenómeno do “idadismo” – discriminação com base na idade dos trabalhadores.
A diversidade geracional implica notórias diferenças nas formas de trabalho, nos benefícios valorizados, ou no estilo de liderança preferido, podendo gerar, inevitavelmente, preconceitos recíprocos: os mais novos são vistos pelos mais velhos como menos experientes e menos comprometidos; os mais velhos são vistos pelos mais novos como menos ágeis e menos aptos à mudança. O choque geracional, não sendo uma novidade nas empresas, tem, no contexto atual, uma dimensão, impacto e escala que são inéditos na história.
A multigeracionalidade tem também uma dimensão de DEI – Diversidade, Equidade e Inclusão, sendo crucial implementar a formação obrigatória regular, promover um recrutamento inclusivo, adotar políticas de igualdade, instituir mecanismos de trabalho flexíveis e realizar inquéritos de diversidade sobre diferentes faixas etárias. Conforme referimos num insight anterior [Podem as organizações prosperar em ambiente de transformação se apenas focarem a sua abordagem sobre Diversidade na temática da Igualdade entre géneros?], estudos atuais demonstram que as empresas com maior diversidade na sua força de trabalho têm uma maior rentabilidade e, logo, uma vantagem competitiva significativa.
No que respeita em particular à diversidade em razão da idade, essa vantagem decorre, entre outros fatores, da formação de equipas com competências diversas e complementares, da retenção da experiência e do know-how, e de uma maior diversidade de perspetivas.
Sem prejuízo do que acabamos de referir, o sucesso da diversidade multigeracional só poderá ser alcançado se as organizações investirem na formação e requalificação dos trabalhadores mais velhos, enquanto preparam os trabalhadores mais jovens para as exigências futuras do mercado.
O upskilling (i.e., o aperfeiçoamento de competências com vista a melhorar o desempenho nas funções desempenhadas) e o reskilling (a requalificação de trabalhadores cujas funções se tornaram obsoletas para que possam assumir o desempenho de novas funções) são, portanto, ferramentas essenciais para os empregadores que pretendam manter os seus trabalhadores aptos para acompanhar as mudanças e enfrentar com êxito os desafios do futuro.
De acordo com o World Economic Forum, nos próximos 5 anos, 23% dos atuais empregos, a nível mundial, terão sido transformados em razão da tecnologia e da inteligência artificial, o que impõe às organizações a necessidade de preparar os seus trabalhadores para essa transformação.
A multigeracionalidade na força de trabalho das empresas constitui, portanto, um fator decisivo no incremento da competitividade das empresas, o qual, face ao atual contexto de transformação, não só não pode ser ignorado, como deve ser promovido enquanto instrumento da gestão de recursos humanos.
A sua organização está empenhada em tomar medidas e promover políticas que fomentem a multigeracionalidade dos seus recursos humanos?