A fase de recrutamento é, em regra, tão crucial para uma organização quanto exigente para a equipa de recursos humanos responsável pela sua condução.
O processo é crucial, pois a organização aspira, naturalmente, a selecionar o candidato mais qualificado para a função a ser desempenhada. Por outro lado, o processo é também simultaneamente exigente na alocação de tempo e recursos despendidos, porque, tradicionalmente, implica longas horas de análise/seleção de currículos e realização de entrevistas.
O paradigma tem, contudo, evoluído em benefício de todas as partes envolvidas - organização, recursos humanos e candidatos - desde a disseminação das ferramentas à base de algoritmos e, mais recentemente, com a explosão da inteligência artificial.
Neste contexto, muito embora grande parte das organizações continuem a utilizar métodos de recrutamento tradicionais (como a triagem de currículos, testes psicotécnicos, entrevistas), a gamificação - isto é, a aplicação de técnicas e design de jogos – tem-se afirmado como uma tendência em crescimento no que respeita a seleção de candidatos.
Esta metodologia de seleção confere eficiência ao processo, possibilitando a avaliação das competências técnicas e comportamentais dos candidatos num ambiente mais natural, representando simultaneamente uma economia de tempo para as equipas de recursos humanos e oferecendo aos candidatos uma experiência mais estimulante.
A utilização da gamificação no recrutamento pode materializar-se, entre outras formas, através de quizzes, simulações ou competições que reproduzem cenários reais do ambiente de trabalho e que desafiam os candidatos a resolver problemas ou a executar tarefas relacionadas a função em apreço.
Através destes métodos, a organização tem a possibilidade de avaliar os candidatos em aspetos como estratégia, trabalho em equipa, capacidade de análise e raciocínio, alinhamento com a cultura e os valores da organização. Diferentemente de um currículo ou de uma entrevista, em que o candidato poderá, naturalmente, tentar apresentar uma imagem que não reflete com total precisão a realidade, o desempenho de um candidato num jogo dificilmente poderá ser adulterado por aquele.
A implementação da gamificação nos processos de recrutamento implica, evidentemente, que sejam consideradas as limitações decorrentes do enquadramento jurídico aplicável.
Desde logo, é essencial assegurar que os dados pessoais dos trabalhadores, recolhidos para efeitos do processo de recrutamento, são adequados, pertinentes e limitados ao necessário, atendendo à sua finalidade. Em concreto, tal significa que devem ser recolhidos exclusivamente os dados essenciais à avaliação das competências técnicas e comportamentais do candidato, considerando as funções a serem desempenhadas, sendo importante garantir que não serão recolhidos dados supérfluos e, muito menos, informações relativas à vida privada do candidato ou à sua saúde - salvo quando exigências específicas inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respetiva fundamentação.
No que respeita à transparência, e ainda relacionado com os dados pessoais, as organizações devem informar os candidatos sobre a finalidade dos dados recolhidos. Ademais, sempre que as experiências de gamificação assentem em algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial, os candidatos deverão ainda ser informados, sob pena de a organização incorrer em contraordenação grave, sobre os parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que aqueles sistemas se baseiam para a tomada de decisões.
É igualmente indispensável garantir que a experiência de gamificação respeita o direito à igualdade de oportunidades e de tratamento, e que não beneficia, privilegia ou prejudica determinados candidatos, direta ou indiretamente, em razão de algum fator de discriminação – nomeadamente, nos termos do Código do Trabalho, ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
Ainda que a organização esteja ciente das suas obrigações no que respeita à igualdade de oportunidade e tratamento e que atue de forma diligente para não infringir conscientemente as normas jurídicas em causa, é possível (e muitas vezes frequente) que a experiência de gamificação tenha sido concebida de uma forma que, inadvertidamente, possa gerar uma situação discriminatória. Por esta razão, e considerando que a prática de atos discriminatórios lesivos dos candidatos lhes confere o direito a uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, é imperativo que as organizações conheçam detalhadamente os contornos das experiências de gamificação que implementam e sobretudo que se certifiquem de que as mesmas estão enquadradas dentro dos limites legais.
Está a sua empresa preparada para entrar neste jogo?