A integração de Inteligência Artificial (IA) na gestão dos recursos humanos das empresas é, nos dias de hoje, uma realidade incontornável e uma oportunidade para simplificar, acelerar e otimizar processos. O dinamismo da IA no contexto laboral não pode, contudo, alhear-se do crescente enquadramento jurídico sobre a matéria, que tem assumido, entre outras, a finalidade de assegurar a informação, a ética e a transparência nos processos de gestão de recursos humanos que utilizem IA.
O pacote legislativo da Agenda do Trabalho Digno veio, em 2023, introduzir no Código do Trabalho importantes deveres de informação relativos ao uso de algoritmos e outros sistemas de IA no contexto laboral, com o objetivo de prevenir os riscos de discriminação algorítmica e de garantir a transparência na sua utilização, a que se acrescem ainda as reservas que já decorriam da legislação sobre dados pessoais quanto a decisões automatizadas.
Em concreto, foi consagrado um dever de informação relativo aos sistemas de IA, a ser cumprido perante o trabalhador, a comissão de trabalhadores e os delegados sindicais, quando os haja; por outro lado, no plano do direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, a Agenda do Trabalho Digno reforçou a proteção de candidatos a emprego e de trabalhadores, determinando que as disposições já existentes nesta matéria se aplicam de igual modo no caso de decisões tomadas com base naqueles sistemas.
Às obrigações decorrentes do quadro jurídico nacional há que somar ainda as previstas no Regulamento Inteligência Artificial, sobretudo considerando que, nos termos daquele Regulamento, a maioria dos sistemas de IA já utilizados pelas empresas no contexto das relações de trabalho são classificados, no que respeita ao risco de lesão que apresentam, como de risco elevado.
Tomando em conta que, por exemplo, no âmbito do recrutamento, a IA é hoje amplamente utilizada, nomeadamente, na redação de job descriptions, na interação com os candidatos através de chatbots, na filtragem de candidaturas, na preparação de guiões de entrevistas, ou na análise e avaliação das respostas dos candidatos e dos seus comportamentos, é necessário acautelar desde já o cumprimento do normativo legal referido.
O mesmo sucede com a gestão da performance, em que a IA tem múltiplas utilidades, tais como a organização do trabalho, a determinação de métricas e objetivos, a identificação de oportunidades de desenvolvimento, a elaboração de programas de recompensa, o desenvolvimento de planos de sucessão, ou a identificação dos trabalhadores elegíveis para promoções.
É, porém, fundamental ter presente que as ferramentas laborais de IA são geridas por pessoas e, consequentemente, quando os algoritmos e os dados de entrada não são rigorosamente testados ou quando não são monitorizados ao longo da sua vida útil, existe o risco de se perpetuarem, inconscientemente, tendências enviesadas e/ou discriminatórias, inerentes a quem treinou a ferramenta, e que impactam na gestão dos recursos humanos.
O paradigmático caso da ferramenta de IA que foi criada pela gigante de vendas online para facilitar o recrutamento e que gerava outputs discriminatórios devido à forma como havia sido programado o algoritmo, bem como o despedimento de mais de 300 dos seus trabalhadores com base em falta de produtividade exclusivamente determinado por um sistema de IA instalado nos seus armazéns, evidenciam apenas alguns dos riscos da utilização não supervisionada destas ferramentas.
Assumindo-se a ética e a transparência como tópicos cruciais da IA na gestão de recursos humanos, está a sua empresa preparada para enfrentar estes novos desafios?