A nova Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto (disponível aqui, “Nova Lei das Comunicações Eletrónicas”) procede à transposição, para o ordenamento jurídico nacional, da Diretiva (UE) n.º 2018/1972, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro (disponível aqui, “CECE” ou “Código Europeu das Comunicações Eletrónicas”), revogando a anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, ou seja, a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro.

 

Este texto procura dar uma visão geral sobre os aspetos principais da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, nomeadamente o seu contexto, objeto, âmbito e aplicação no tempo, aludindo ainda a algumas matérias específicas por si reguladas.

 

Em que contexto surge a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas?

O CECE, que substituiu o chamado “Pacote de Diretivas” de 2002 sobre a regulação no setor das comunicações eletrónicas, visa adaptar o quadro regulatório às atuais tendências e necessidades do setor.

Nesse contexto, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas – que, de um modo geral, segue de perto a letra do CECE - aborda preocupações como a promoção do investimento em redes de muito elevada capacidade, a expansão geográfica das redes de fibra ótica em Portugal, o fortalecimento dos direitos dos utilizadores finais, entre outros aspetos.

 

Que entidades estão sujeitas à Nova Lei das Comunicações Eletrónicas?

Uma das principais inovações da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas prende-se, precisamente, com o seu âmbito de aplicação, fruto do alargamento do conceito de “serviço de comunicações eletrónicas”. Consideram-se como tal, não só os "clássicos" serviços de envio de sinais oferecidos através de redes de comunicações eletrónicas mediante remuneração, mas também o serviço de acesso à Internet, tal como definido pelo Regulamento (EU) 2015/2120 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro, e os serviços de comunicações interpessoais, baseados ou independentes de número (os chamados serviços over-the-top, ou OTTs).

De resto, e como já acontecia na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, as entidades que não prestem serviços subsumíveis às categorias acima, mas forneçam redes de comunicações eletrónicas, estão também sujeitas à Nova Lei das Comunicações Eletrónicas.

 

Sobre que matérias versa a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas?

A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, sendo um diploma extenso, estabelece as regras aplicáveis transversalmente ao setor das comunicações eletrónicas. Para melhor interpretação deste diploma, a VdA preparou, desde já, alguns textos específicos, com maior detalhe, sobre um conjunto de matérias específicas, designadamente: (i) regime da autorização geral; (ii) regime do espectro de radiofrequências; (iii) regime aplicável aos serviços de comunicações interpessoais; (iv) direitos dos utilizadores finais e (v) regulação de mercados. Iremos entretanto continuar a produzir novos textos sobre outras matérias e convidamos à leitura dos mesmos.

 

Que novidades traz a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, em comparação com o regime anterior?

A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas impõe diversas alterações, em vários domínios, ao regime vigente na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas. Para além de novidades específicas relacionadas com as matérias acima referidas (e que abordamos nos respetivos textos), devem destacar-se especialmente algumas inovações trazidas pela Nova Lei das Comunicações Eletrónicas:

(i)   Regulação social: embora a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas traga novas e importantes regras sobre o serviço universal, a chamada “regulação social” é agora conduzida principalmente através da tarifa social de Internet, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 66/2021, de 30 de julho. Tendo em conta esta deslocação do epicentro da regulação social, não é claro o papel e contributo das novas regras sobre o serviço universal para alcançar os objetivos da regulação social.

(ii)   Um “new deal” na regulação setorial: a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas reforça os poderes da ANACOM em vários domínios, designadamente em matéria de gestão do espectro radioeletrónico. Com efeito, a ANACOM tem agora, e por exemplo, poderes para promover a utilização partilhada de espectro (incluindo infraestruturas passivas e ativas) e para impor acordos comerciais ou obrigações de acesso à itinerância, de modo a promover a cobertura das redes móveis, bem como poderes para assegurar (aparentemente, por prorrogação e por extensão) a caducidade simultânea de direitos de utilização atribuídos.
Por outro lado, a ANACOM parece também ter perdido alguns dos poderes nessa matéria, prevendo a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas que todos os regulamentos respeitantes a procedimentos de seleção concorrencial ou por comparação para atribuição de direitos de utilização de frequências devem ser aprovados pelo membro do Governo responsável pela área das comunicações. De resto, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, seguindo de muito perto o CECE, prevê expressamente a intervenção de outras autoridades competentes na regulação sectorial, nomeadamente em matéria de direitos dos utilizadores finais.

(iii)  Levantamentos geográficos da implantação de redes: a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas prevê que a ANACOM deve realizar o primeiro levantamento geográfico até 21.12.2023. O levantamento inclui a cobertura geográfica das redes de banda larga existentes e a previsão, para um período determinado de tempo definido pela ANACOM, da cobertura geográfica de novas redes de banda larga, incluindo de redes de capacidade muito elevada. A ANACOM, com base no levantamento efetuado, pode designar áreas geográficas delimitadas onde nenhuma empresa que oferece redes públicas de comunicações eletrónicas implantou ou pretende implantar, no período de tempo definido pela ANACOM, uma rede de capacidade muito elevada ou proceder à atualização de uma rede existente para velocidades de descarregamento de pelo menos 100 Mbps, e convidar essas empresas para que manifestem o seu interesse em fazê-lo. Conexo com este tema surge o da identificação e desenvolvimento das “áreas brancas”, ou seja, aquelas em que não existe cobertura de redes fixas de capacidade muito elevada e que deverá ser objeto de um concurso público ainda durante o ano de 2022.

(iv)  Pontos de acesso sem fios de áreas reduzidas: a implantação e operação de pontos de acesso sem fios de áreas reduzidas (que respeitem as características físicas e técnicas previstas em atos de execução da Comissão Europeia) devem ficar isentas de quaisquer atos de licenciamento, autorização ou comunicação prévia à ANACOM, salvo quando implantadas em edifícios ou locais com valor arquitetónico, histórico ou natural protegido ou por razões de segurança pública.

 

Para além da revogação da anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, a transposição do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas implicou a alteração de algum diploma?

Sim. Além da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, a transposição do CECE implicou também alterações noutros diplomas, nomeadamente: (i) Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto (lei da privacidade no setor das comunicações eletrónicas); (ii) Lei n.º 99/2009, de 4 de setembro (regime-quadro das contraordenações no setor das comunicações eletrónicas); (iii) Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de julho (regime das redes e estações de radiocomunicações); e (iv) Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro (regime dos contratos celebrados à distância e contratos celebrados fora do estabelecimento comercial).

 

A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas terá algum impacto nos atos e regulamentos da ANACOM emitidos ao abrigo do regime anterior?

Com a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, a ANACOM mantém a sua competência para aprovar os regulamentos necessários à execução do novo diploma. Até que sejam substituídos ou revogados, mantêm-se em vigor todos os regulamentos e atos da ANACOM que, tendo sido adotados ao abrigo da anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, sejam compatíveis com a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas.

Em especial, é de destacar que a ANACOM deverá regulamentar o dever de comunicação prévia e aprovar, tendo também em conta as orientações publicadas pelo ORECE (documento BoR (19) 259, publicado em 6 de dezembro de 2019), os modelos apropriados a essas comunicações. Até lá, mantêm-se em vigor os modelos aprovados ao abrigo do Regulamento n.º 6/2018, de 5 de janeiro, da ANACOM.

 

Quando é que a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas entra em vigor?

Nem todas as normas da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas entrarão em vigor simultaneamente. Com efeito, regra geral, as normas da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas entrarão em vigor 90 dias após a sua publicação (i.e. a 14 de novembro de 2022). Existem, porém, casos em que assim não é, designadamente:

(i)   Regras sobre limitações aos encargos exigidos em caso de denúncia do contrato, que entrarão em vigor 60 dias após a entrada em vigor da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas (i.e. a 13 de janeiro de 2023);

(ii)   Regras relativas a comunicações de emergência e número único europeu de emergência, que vigorarão a partir do momento da abertura ao público de cada meio de acesso aos serviços de emergência por parte das autoridades nacionais competentes; ou

(iii)  Regras em matéria de segurança das redes e serviços, incluindo requisitos adicionais e regime de assistência e cooperação com a Equipa de Resposta a Incidentes de Segurança Informática Nacional, as quais entraram em vigor no dia seguinte ao da respetiva publicação (i.e. a 17 de agosto de 2022).

De resto, existem ainda alguns exemplos de tópicos em que a Nova Lei das Comunicações não é clara quanto ao respetivo momento de entrada em vigor, como seja o regime de disponibilização do resumo do contrato. Este tópico exige, por esta razão, especial atenção.

Por fim, notamos ainda que não é linear a aplicação da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas aos contratos com utilizadores finais celebrados antes da entrada em vigor daquela. Abordamos esta questão em maior detalhe no texto relativo aos direitos dos utilizadores finais.

 

Key takeaways

A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas assegura a transposição (atrasada já desde final de 2020) do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas para o ordenamento jurídico nacional. Substituindo uma lei com perto de 20 anos de vigência (a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro), a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, pese embora não altere os pilares estruturais da regulação sectorial (que continua a assentar, grosso modo, nos mesmos institutos e regimes), traz inovações assinaláveis que devem ser analisadas com particular atenção.

Desde logo, é de notar o aumento das categorias de serviços sujeitas às suas normas, como os serviços de acesso à Internet e os serviços de comunicações interpessoais, baseados e independentes de número.

As regras da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas entram em vigor em diferentes momentos, trazendo assim uma complexidade acrescida no tema. Com efeito, se a generalidade das normas vigorará a partir de 14 de novembro de 2022, algumas regras entraram já em vigor no dia 17 de agosto, havendo ainda aquelas que vigorarão a partir de 13 de janeiro de 2023.

Por fim, há que salientar ainda que a transposição do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas acarretou também a alteração de diversos outros diplomas com interesse para o setor, nomeadamente uma revisão substancial do regime de responsabilidade pela prática de contraordenações.