Este texto visa destacar alguns dos principais aspetos da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas respeitantes ao regime da autorização geral, bem como aos direitos e às obrigações das empresas que oferecem redes ou serviços de comunicação eletrónicas, tal como previsto nos seus artigos 16.º a 30.º.

 

Que entidades se encontram sujeitas ao regime de autorização geral?

Encontram-se sujeitas ao regime de autorização geral todas as empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações eletrónicas, acessíveis e não acessíveis ao público (artigo 16.º/2), entendendo-se estas últimas como as ofertas em regime de autoprestação.

Não se encontram sujeitas a este regime: (i) as empresas que ofereçam serviços de comunicações interpessoais (os chamados serviços over-the-top, ou OTTs) independentes de número, e (ii) as que ofereçam serviços de acesso a uma rede pública de comunicações eletrónicas através de uma rede local via rádio, quando não faça parte de uma atividade económica ou de um serviço público que não dependa do envio de sinais nessa rede (artigo 16.º/3).

 

Que entidades se encontram sujeitas ao dever de comunicação prévia de início de atividade?

Estão sujeitas ao dever de comunicação prévia de início de atividade todas as empresas que pretendam oferecer redes públicas de comunicações eletrónicas e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público (artigo 17.º/1).

Além das empresas não sujeitas ao regime de autorização geral, este dever também não é aplicável às empresas que pretendam oferecer serviços de comunicações eletrónicas não acessíveis ao público. Ademais, a ANACOM poderá, por regulamento, isentar do cumprimento deste dever as empresas que ofereçam determinados tipos de redes públicas de comunicações eletrónicas e de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público (artigo 18.º).

 

Que informação deve ser incluída na comunicação de início de atividade à ARN?

A comunicação de início de atividade deve incluir:

(i) A declaração da intenção de iniciar a atividade;
(ii) Os elementos de identificação da empresa e o endereço do seu sítio na Internet associado à oferta de redes públicas de comunicações eletrónicas e de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público;
(iii) Os contactos para comunicações e notificações, incluindo obrigatoriamente um endereço de correio eletrónico;
(iv) A descrição sucinta da rede ou do serviço cuja oferta pretendem iniciar;
(v) A data prevista para o início de atividade.

Compete à ANACOM regulamentar o dever de comunicação prévia e aprovar, tendo também em conta as orientações publicadas pelo ORECE (documento BoR (19) 259, publicado em 6 de dezembro de 2019), os modelos para as comunicações devidas, mantendo-se até lá vigentes os modelos aprovados ao abrigo do Regulanento n.º 6/2016, de 5 de janeiro, da ANACOM.

 

Quais são os direitos das empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas?

Constituem direitos das empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas (acessíveis ou não ao público) os de (artigo 20.º/1) (i) requerer a constituição de direitos de passagem; (ii) utilizar o espectro de radiofrequências para a oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas; (iii) requerer a utilização de recursos de numeração; e (iv) negociar entre si acordos sobre modalidades técnicas e comerciais de acesso ou interligação.

Adicionalmente, as empresas que oferecem redes públicas de comunicações eletrónicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público beneficiam ainda dos direitos de (artigo 20.º/2): (i) negociar a interligação e obter o acesso ou a interligação de outras empresas que oferecem redes públicas de comunicações eletrónicas e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público; e (ii) oferecer alguma das prestações do serviço universal ou cobrir diferentes zonas do território nacional.

 

A que condições gerais e específicas pode ficar sujeita a atividade das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas?

No essencial, as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas podem ser sujeitas às condições gerais já previstas ao abrigo da anterior Lei das Comunicações Eletrónicas,  nomeadamente (artigo 27.º/1): (i) obrigações de acesso (que não a título de obrigação específica); (ii) obrigações de interligação de redes e interoperabilidade de serviços; (iii) obrigações em matéria de tratamento de dados pessoais e da proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas; (iv) obrigações sobre segurança e integridade das redes públicas de comunicações eletrónicas, nomeadamente nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 31/2017, de 22 de março; (v) obrigações de instalação e disponibilização de sistemas de interceção legal às autoridades nacionais e fornecimento dos meios de decifragem sempre que ofereçam essas facilidades; (vi) condições de utilização do espectro de radiofrequências para serviços de comunicações eletrónicas; (vii) condições de utilização para garantir as comunicações entre os serviços de emergência, as autoridades competentes e os agentes de proteção civil com o público em geral; ou (viii) obrigação de prestação de informações, designadamente em cumprimento dos deveres de comunicação legalmente previstos.

Estas condições gerais não são aplicáveis às empresas que não estejam sujeitas ao regime da autorização geral.

Para além destas condições gerais, as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas poderão ainda ser sujeitas a condições específicas, em matéria de acesso e interligação, de controlos nos mercados retalhistas e de serviço universal (artigo 28.º), em linha com a anterior Lei das Comunicações Eletrónicas.

Por se tratar de uma novidade da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, saliente-se que as empresas que ofereçam serviços de comunicações interpessoais independentes de número poderão, em certos casos, ser sujeitas a obrigações de acesso e interligação, conforme melhor detalhado no nosso texto relativo ao regime aplicável aos serviços de comunicações interpessoais.

 

Em que termos podem ser alterados os direitos e as obrigações das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas?

Este regime não sofreu alterações significativas com a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas. Assim, os direitos e as obrigações das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas, incluindo em matéria de utilização do espectro de radiofrequências e de recursos de numeração, poderão ser alterados em casos objetivamente justificados, respeitando o princípio da proporcionalidade, por lei, regulamento ou ato administrativo (artigo 21.º/1).

Regra geral, estas alterações estão sujeitas ao regime de consulta pública, salvo em caso de alterações pouco significativas, que não afetem a natureza substancial dos direitos de utilização, designadamente não criando vantagens comparativas, e desde que verificada a concordância dos respetivos titulares.

 

Em que termos podem ser restringidos ou revogados os direitos de utilização do espectro de radiofrequências e de recursos de numeração?

Aos titulares destes direitos é conferida a garantia geral de irrestringibilidade e irrevogabilidade dos mesmos antes do termo do respetivo prazo de validade (artigo 22.º/1). Em certas circunstâncias, porém, a lei admite a sua restrição ou revogação antes desse momento: (i) existindo o consentimento do respetivo titular; (ii) perante casos justificados, em conformidade com as condições associadas aos respetivos títulos; (iii) para garantir a utilização efetiva e eficiente dos recursos de numeração ou do espectro de radiofrequências; e (iv) para garantir as medidas técnicas de execução adotadas nos termos do artigo 4.º da Decisão n.º 676/2002/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março, relativa a um quadro regulamentar para a política do espectro de radiofrequências na Comunidade Europeia (artigo 22.º/2).

Nos dois últimos casos, a restrição ou revogação dos direitos de utilização depende da existência de um procedimento previamente estabelecido e claramente definido, não discriminatório e que observe o princípio da proporcionalidade. De resto, não havendo consentimento do titular do direito, é exigível a aplicação do procedimento de consulta pública (artigo 22.º/3).

A restrição ou revogação dos direitos de utilização dá lugar a compensação, total ou parcial (a apurar pela ANACOM), pelos encargos ou danos especiais e anormais sofridos pelos seus titulares, aplicando-se o regime da indemnização pelo sacrifício em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas (artigo 22.º/4). No fundo, retoma-se aqui o regime que, de certa forma, já resultava do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de julho, embora o mesmo tenha sido alterado especificamente neste ponto, para tornar o regime mais claro.

 

Em que termos é que o direito de passagem pode ser exercido?

Em geral, as empresas que oferecem redes públicas e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, gozam do direito de (artigo 23.º/1) (i) requerer a expropriação e a constituição de servidões administrativas necessárias à instalação, proteção e conservação dos respetivos sistemas, equipamentos e demais recursos, e de (ii) utilizar o domínio público, em condições de igualdade, para a implantação, passagem ou atravessamento, necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos.

As empresas que oferecem redes não públicas de comunicações eletrónicas e serviços de comunicações eletrónicas não acessíveis ao público apenas gozam do  direito de requerer a utilização do domínio público para instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos (artigo 23.º/2).

Tal como na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, mantém-se a regra de que os direitos de passagem não podem ser restringidos ou revogados antes do termo do respetivo prazo de validade, exceto com o consentimento do titular ou em casos justificados. Nestes casos, o titular tem direito a receber uma compensação nos termos previstos para a revogação e restrição de direitos de utilização, nos termos já referidos atrás.

 

Quais as regras gerais em termos de colocalização e partilha?

Nos casos em que as empresas que oferecem redes públicas e serviços acessíveis ao público de comunicações eletrónicas tenham exercido direitos de passagem, devem promover entre si a celebração de acordos com vista à colocalização e à partilha dos elementos de rede e dos recursos conexos instalados ou a instalar, cujos termos e subsequentes alterações devem ser comunicados à ANACOM (artigo 24.º).

A ANACOM mantém a competência para determinar, incluindo normas de repartição de custos, a colocalização e a partilha de elementos por razões relacionadas com a proteção do ambiente, da saúde pública ou da segurança pública ou para satisfazer objetivos do ordenamento do território e defesa da paisagem urbana e rural.

Estas competências acrescem a outros poderes da ANACOM para a imposição de acesso a infraestruturas e a roaming localizado que analisamos noutros textos específicos sobre a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas.

 

Key Takeaways

A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas não introduz alterações significativas no regime de autorização geral, no dever de comunicação prévia, e nos direitos e condições gerais aplicáveis às empresas que oferecem redes ou serviços de comunicação eletrónicas.

Todavia, o novo regime torna mais clara a sua aplicação em relação aos OTTs e a empresas que pretendam oferecer serviços de comunicações eletrónicas não acessíveis ao público, ficando, contudo, por perceber de que forma a ANACOM irá exercer supervisão e regulação sobre estas entidades.

No demais, e em especial no que respeita às condições gerais e específicas aplicáveis à atividade das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas, bem como aos seus direitos e obrigações e o regime da sua alteração, restrição ou revogação, não existem alterações materiais significativas a assinalar nesta Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, mas sim um esforço de concretização e de clarificação das regras aplicáveis.