Este texto visa destacar algumas das principais regras da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas respeitantes aos direitos dos utilizadores finais, tal como previsto nos seus artigos 110.º a 146.º.

 

Que empresas estão sujeitas a estas regras?

Todas as empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas estão sujeitas às regras da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas respeitantes aos direitos dos utilizadores finais, incluindo os OTTs. Apenas se admitem algumas isenções para microempresas que oferecem serviços de comunicações interpessoais independentes de números (artigo 110.º).

 

Quem beneficia com estas regras?

Na senda do CECE, além dos utilizadores finais que sejam consumidores, beneficiam também destas regras as microempresas, pequenas empresas ou organizações sem fins lucrativos, embora se admita, em determinados casos, a renúncia expressa à totalidade ou a parte dessas disposições. A pertinência desta novidade está, pois, por avaliar face às futuras práticas de mercado.

 

Quais os principais direitos dos utilizadores finais?

Todos os utilizadores finais têm, entre outros, os seguintes direitos (artigo 113.º):

(i)      Dispor de informação escrita sobre os termos e condições de acesso e utilização dos serviços;

(ii)     Ser informado, com a antecedência mínima de 15 dias, da cessação da oferta de um serviço;

(iii)    Dispor de informação sobre a qualidade dos serviços prestados;

(iv)    Receber informação sobre a faturação dos serviços prestados, nomeadamente sobre os custos de instalação e sobre o término do período de fidelização;

(v)     Proteção acrescida para casos de não autorização/contratação expressa (ex. “wap billing”);

(vi)    Ter acesso a ferramentas de comparação de preços e outras condições;

(vii)   Ter uma redução imediata e proporcional da mensalidade em casos de suspensão dos serviços por períodos iguais ou superiores a 24h consecutivas, sem prejuízo de eventuais compensações;

(viii)  Aceder aos serviços contratados de forma contínua, devendo ter informação sobre a suspensão do serviço; e

(ix)    Dispor de portabilidade de números.

Adicionalmente, os utilizadores finais que sejam consumidores têm ainda os seguintes direitos:

(i)     Celebrar contratos com as especificações previstas na lei;

(ii)    Tetos máximos para compensações por violação de períodos de fidelização; e

(iii)   Resolver o contrato em caso de discrepância entre o desempenho real dos serviços e o indicado no contrato.

 

Foram introduzidas novas regras de não discriminação?

Sim. Designadamente, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas interdita a diferenciação de requisitos ou condições de utilização ou acesso em razão da nacionalidade, residência ou local de estabelecimento, exceto quando seja objetivamente justificado, como por custos e riscos (artigo 111.º). Todavia, a consagração deste princípio pode abrir uma discussão sobre a articulação com as regras de bloqueio geográfico e, bem assim, sobre o que poder ser entendido como "objetivamente justificado".

 

Quais as principais novidades em matéria de contratação?

O pesado regime de prestação de informações pré-contratuais e da própria contratualização de serviços que resultava da anterior Lei das Comunicações Eletrónicas é reforçado na nova lei (artigos 116.º, 120.º e 121.º). É de salientar, em particular, a formalização e densificação da obrigação de adoção e disponibilização do modelo de resumo do contrato previsto no Regulamento de Execução (UE) 2019/2243 da Comissão, de 17 de dezembro (artigo 120.º/6).

Em termos de contratação à distância, eliminou-se a exceção relativa a contratações por contacto telefónico do próprio consumidor, ficando assim a dúvida sobre como tratar estas situações. Além disto, ao prever que as “informações [prestadas] tornam-se parte integrante do contrato e não podem ser alteradas sem o acordo expresso das partes” (artigo 120.º/10), revela-se incerto que termos contratuais poderão ser revistos sem o acordo das partes.

Por fim, nas hipóteses de contratação à distância em que seja tecnicamente inviável facultar de imediato o resumo do contrato ao consumidor final (artigo 120.º/9), não resulta claro em que momento o contrato entra em vigor, atendendo aqui ao previsto no artigo 120.º/12.

 

Quais as principais novidades em matéria de bundles?

Quando o pacote de serviços incluir, pelo menos, um serviço de acesso à Internet ou um serviço de comunicações interpessoais com base em números acessível ao público, todos os serviços desse pacote beneficiam de proteção acrescida, nomeadamente em termos de transparência de informação, resumo do contrato e regras sobre prestação dos serviços (artigo 114.º).

Além disso, o direito de resolução de qualquer serviço do pacote antes do termo do período de fidelização é extensível a todos os demais serviços. Por fim, impõem-se restrições ao prolongamento do período de fidelização inicial do contrato em caso de subscrição de serviços suplementares ou de equipamento terminal, embora a amplitude de aplicação destas regras não seja clara.

 

O regime dos mecanismos de controlo de utilização da Internet conheceu alterações relevantes?

Sim. O direito a “alertas gratuitos” perante alterações aos padrões de consumo normais, já previsto na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, foi reforçado com o direito a “informações atempadas sobre o nível de consumo dos serviços incluídos no plano tarifário do utilizador final” (artigo 123.º).

 

Quais os traços gerais essenciais do novo regime de indisponibilidade de serviço?

Prevê-se uma redução proporcional da fatura em casos de indisponibilidade de serviço não imputável ao consumidor por períodos >24h, independentemente da sua solicitação. Caso a indisponibilidade se mantenha por >15 dias, o utilizador final tem direito a resolver o contrato sem qualquer custo (artigo 129.º).

De salientar que o novo regime parece “responsabilizar” diretamente os operadores por atos fora do seu controlo, como sejam situações de força maior.

 

E quanto ao novo regime especial para o incumprimento dos níveis de serviço?

Em geral, qualquer discrepância significativa, continuada ou recorrente entre o desempenho real dos serviços de comunicações eletrónicas pode ser considerada como base suficiente para resolver o contrato sem qualquer custo (artigo 130.º).

 

Que alterações relativas ao titular do contrato poderão conferir ao consumidor um direito de resolução sem encargos?

Na senda da discussão havida no Parlamento, os consumidores podem resolver os contratos em encargos em caso de (artigo 136.º): (i) alteração de forma permanente do local da residência sem que o operador possa assegurar o serviço nas mesmas condições na nova morada; (ii) emigração para país terceiro, embora a lei exija que tal seja imprevisível; (iii) desemprego por despedimento não imputável e que implique perda do rendimento mensal disponível; e (iv) incapacidade para o trabalho, permanente ou temporária (superior a 60 dias), que implique perda do rendimento mensal disponível.

Pese embora a bondade das soluções legislativas, a vacuidade dos conceitos utilizados certamente irá gerar diversas discussões.

 

Que situações poderão determinar a suspensão ou caducidade dos contratos sem encargos para o titular?

Além do previsto para a resolução do contrato, o contrato fica suspenso em caso de (artigo 137.º): (i) perda do local onde os serviços são prestados; (ii) alteração de residência para fora do território nacional; (iii) ausência da residência motivada por cumprimento de pena de prisão, doença prolongada, estado de dependência de cuidados prestados ou a prestar por terceira pessoa; ou (iv) situação de desemprego ou baixa médica.

De notar que a suspensão que se prolongar por mais de 180 dias origina a caducidade do contrato.

 

Podem as empresas alterar as condições contratuais sem que tal confira um direito de resolução sem encargos?

Sim, embora em condições que suscitam diversas interrogações práticas, a saber, em traços gerais (artigo 135.º): (i) sejam exclusivamente em benefício do utilizador final; (ii) não tenham “efeito negativo” no utilizador final; ou (iii) decorram diretamente da aplicação de ato legislativo. Como já decorria da anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, o ónus da prova destes elementos pesa sobre a empresa que pretende alterar as condições contratuais.

 

O que sobressai no novo regime de fidelizações?

Apesar das mais diversas críticas, o legislador optou, por certa forma, por uma política de continuidade do regime anterior, embora tenha criado novas problemáticas, em especial nos temas de prolongamentos de fidelizações e refidelizações (introduzindo agora os conceitos de fidelização inicial e subsequente). Assim, mantém-se a possibilidade de os períodos de fidelização atingirem 24 meses de duração (artigo 131.º), continuando a ratio do regime a assentar na atribuição, por parte da empresa, de contrapartidas, devidamente identificadas e quantificadas no contrato, associadas: (i) à subsidiação de equipamentos terminais; (ii) à instalação do serviço, quando aplicável; (iii) à ativação do serviço ou (iv) a outras condições promocionais

 

Os termos do cálculo da compensação em caso de denúncia do contrato por iniciativa do consumidor permanecem iguais?

Não. O regime apresenta várias e importantes novidades de contornos e impactos incertos, com destaque para a previsão de que os encargos não podem exceder o menor dos seguintes valores (artigo 136.º/4):

(i)    A vantagem conferida ao consumidor, como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, de forma proporcional ao remanescente do período de fidelização; ou

(ii)   Uma percentagem das mensalidades vincendas, variável consoante exista período de fidelização inicial ou subsequente, que varia, respetivamente, entre o máximo de 50% ou de 30%.

Mantém-se ainda a regra (artigo 136.º/6) de que as empresas devem conservar as gravações telefónicas geradas com os respetivos clientes, embora limitadas à figura da denúncia e pelo prazo de prescrição e caducidade das obrigações resultantes dos contratos. Além da má técnica legislativa, estas regras levantam muitas dúvidas.

 

O desbloqueamento de equipamentos terminais continua a seguir o regime do Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de junho?

Não. A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas incorpora este regime, onde se mantém, por exemplo, a proibição de cobrança de valores no final do período de fidelização, bem como as % de cobrança-limite durante este período, mas são introduzidos diversos outros aspetos inovadores. Afigura-se, no entanto, problemática a concatenação com o regime, não expressamente revogado, do Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de junho.

 

O novo regime relativo aos direitos dos utilizadores finais aplica-se apenas aos contratos celebrados após a entrada em vigor da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, ou também se aplicam aos contratos já celebrados?

Por regra, o novo regime aplica-se apenas aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, salvo os casos expressamente previstos como de aplicação imediata, tais como (artigo 9.º da parte preambular): (i) o regime de disponibilização do resumo do contrato; (ii) normas de proteção dos utilizadores finais relativas ao término do período de fidelização; (iii) faturação de chamadas gratuitas; (iv) matéria de privacidade quanto a todos os elementos relativos ao utilizador final após pagamento de dívidas; (v) regras de indisponibilidade de serviço; (vi) alterações relativas ao titular do contrato; (vii) limitações aos encargos exigidos em caso de denúncia do contrato durante período de fidelização subsequente sem alteração do lacete local e (viii) normas de suspensão e caducidade dos contratos.

 

Key takeaways

Na senda do CECE, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas dedica importante atenção aos direitos dos utilizadores finais, reforçando substancialmente o regime nas três dimensões típicas: (i) pré-contratação e contratação de serviços; (ii) execução do contrato; e (iii) cessação do mesmo. Introduzem-se novas especificidades sobre pacotes de serviços e é reforçado o tema da denúncia do contrato, com limitações relevantes em termos de atribuição de compensações pela violação de períodos de fidelização. Além disso, são instituídas novas regras relativas ao desempenho de serviços e a alterações ao contrato que podem conduzir à cessação dos contratos sem encargos.

Sem dúvida que o regime dos utilizadores finais é um dos mais importantes da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas e mostra uma cada vez maior tendência para que o principal fundamento da regulação seja, efetivamente, a proteção dos utilizadores.