Este texto visa destacar os principais aspetos relativos às obrigações regulatórias constantes da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas. Pontualmente, serão feitas menções à anterior Lei das Comunicações Eletrónicas e, bem assim, ao Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, tal como previsto, em especial, nos artigos 84.º a 108.º.

 

Ocorreu alguma alteração na definição do conceito de poder de mercado significativo?

Não ocorreu qualquer alteração na definição, em concreto, do conceito de poder de mercado significativo (artigo 78.º), mantendo-se, assim, a clássica definição que associa este conceito à existência de uma posição de força económica que permite a uma entidade agir, em larga medida, independentemente dos concorrentes, dos clientes e dos consumidores.

 

Quais as obrigações que a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas prevê para as empresas com poder de mercado significativo?

A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas estabelece uma série de obrigações (artigo 84.º) para operadores com poder de mercado significativo (“EPMS”) que segue o que já se encontrava previsto na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas. Entre as novidades contam-se: (i) a obrigação de dar resposta aos pedidos razoáveis de acesso e utilização de infraestruturas (ativos de engenharia civil); (ii) os compromissos de coinvestimento em novos elementos das redes de capacidade muito elevada; e (iii) obrigações impostas a empresas exclusivamente grossistas.

 

A ANACOM encontra-se vinculada à observância de uma hierarquia na imposição de remédios regulatórios às EPMS?

Sim. Caso paradigmático é o acesso a ativos de engenharia civil detidos por EPMS (artigo 89.º). A ANACOM poderá impor às EPMS a obrigação de dar resposta a pedidos razoáveis de acesso e utilização deste tipo de infraestruturas. Não se mostra necessário que as empresas atuem no mesmo mercado relevante. Tal resulta do entendimento que, independentemente do mercado em que atuem, o aproveitamento e reutilização de ativos de engenharia civil pode conduzir a significativas poupanças no contexto de desenvolvimento de novos produtos e soluções técnicas inovadoras, em benefício último da concorrência no mercado.

A primazia na aplicação desta obrigação não obsta à aplicação das remanescentes obrigações, cuja estrutura e letra, salvo raras exceções, se mantêm face à anterior Lei das Comunicações Eletrónicas.

 

A ANACOM pode impor obrigações de controlo de preços e de contabilização de custos?

Na ausência de concorrência efetiva (artigo 92.º), a ANACOM pode impor obrigações de orientação de preços para os custos e obrigação de adotar sistemas de contabilização de custos, nos fornecimentos de tipos específicos de interligação e acesso. Contudo, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas impõe condições mais exigentes para a aplicação destas obrigações. Assim, a ANACOM deve ter em conta os benefícios decorrentes da existência de preços grossistas previsíveis e estáveis que assegurem a entrada eficiente de empresas no mercado e assegurar que existem incentivos suficientes para que as empresas implementem redes novas e mais avançadas, nomeadamente, inter alia, em zonas de baixa densidade populacional, em que os respetivos incentivos à oferta serão menores.

 

Quais as obrigações que podem ser impostas às empresas exclusivamente grossistas?

Na senda do CECE, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas considera que, em certos casos, a criação de um verdadeiro mercado grossista pode alavancar efeitos positivos na concorrência de mercados retalhistas a jusante, além de que pode envolver menores riscos concorrenciais.

Assim, em geral, às empresas exclusivamente grossistas apenas podem ser impostas (artigo 101.º) obrigações de não discriminação, acesso e utilização de elementos de redes específicos e recursos conexos ou obrigações relativas a preços justos, equitativos e razoáveis (não orientação dos preços para os custos). A aplicação deste regime mais favorável depende da subsunção da específica empresa à conformação, cumulativa, com uma série de apertados requisitos, o que suscita, desde já, questões sobre a aplicabilidade prática deste regime.

 

As EPMS encontram-se sujeitas a obrigações especificas no contexto da migração de infraestruturas?

Num mercado ditado pela inovação, teve o legislador particular atenção para os processos de migração das antigas redes de cobre para as redes de próxima geração, considerando as consequências que daí podem advir, em termos gerais, para a concorrência. Assim, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas passa a prever um mecanismo de notificação prévia (artigo 102.º) sempre que tais empresas planeiem desativar ou substituir partes da rede por uma infraestrutura nova (mesmo que envolvam infraestruturas pré-existentes).

 

As obrigações de acesso aplicam-se apenas a EPSM?

Não. Tal constitui uma importante novidade da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas. Assente em argumentos de eficiência económica e ausência de necessidade de replicação de recursos físicos, a ANACOM passa a poder impor obrigações de acesso aos operadores ou proprietários de cablagem e de recursos conexos associados dentro dos edifícios ou até ao primeiro ponto de distribuição, quando este se encontre fora do edifício, independentemente de serem ou não EPMS (artigo 104.º). Com a nova lei verifica-se assim um reforço significativo da chamada regulação simétrica, aplicável a todos os operadores (por oposição à regulação assimétrica, aplicável apenas a EPMS).

 

O que é a itinerância localizada e pode a ANACOM impor esta obrigação?

Novidade da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas (artigo 105.º), a itinerância localizada revela-se como um remédio regulatório apto a suprir “(…) obstáculos físicos ou económicos intransponíveis para o fornecimento, aos utilizadores finais de serviços e de redes que dependem da utilização do espectro de radiofrequências (…)” (Considerando 158 do CECE). Assim, em determinados casos, a ANACOM passa a poder impor obrigações de partilha de infraestruturas ativas ou a obrigação de celebração de acordos de acesso para fins de itinerância (roaming) localizada.

O recurso a este mecanismo só se justifica perante a insuficiência fundamentada do acesso e partilha de infraestruturas passivas. Contudo, a respetiva imposição dependerá da verificação cumulativa de uma série de requisitos e condições, entre os quais, a existência de obstáculos físicos ou económicos insuperáveis, resultando assim num acesso à rede ou acesso a serviços por parte dos utilizadores finais muito deficiente ou inexistente (o que pode suceder, por exemplo, em caso de limitações à edificação em zonas protegidas).

 

O que são acordos de coinvestimento em elementos de rede de capacidade muito elevada?

O desenvolvimento de novos elementos de redes de capacidade muito elevada implica avultados investimentos. Neste quadro, os acordos de coinvestimento proporcionam benefícios significativos em termos de partilha de custos e riscos e podem assumir as seguintes modalidades:

(i)   Copropriedade de ativos de rede;

(ii)  Partilha de riscos a longo prazo através do cofinanciamento ou acordos de compra que conduzam a direitos específicos de carácter estrutural a favor de outras empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas.

Para beneficiarem de um regime regulatório mais favorável, os acordos de coinvestimento encontram-se vinculados à observância de uma série de obrigações, nomeadamente, a respetiva abertura, durante a vida útil da rede construída, a qualquer empresa que ofereça redes ou serviços de comunicações eletrónicas (sem prejuízo da eventual fixação de obrigações pela EPMS) e critérios de transparência (artigos 96.º e 97.º), todos eles a aferir pela ANACOM, no momento de avaliação do relevante acordo.

 

Qual o regime regulatório dos acordos de coinvestimento?

Neste âmbito, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas recorre, de forma algo inovadora, a remédios tutelares tipicamente associados ao Direito da Concorrência, nomeadamente à chamada regulação por compromissos.

No contexto da avaliação da proposta de compromisso, deve a ANACOM não só observar uma série de critérios, como realizar um teste de mercado e consulta pública. Concluído o procedimento, pode a ANACOM adotar uma decisão que torne o compromisso vinculativo no todo, ou em parte, com isso conduzindo à abstenção da imposição heterogénea de obrigações regulatórias.

Note-se que a fixação de compromissos não é um remédio exclusivamente conexo aos acordos de coinvestimento. Pode, igualmente, ser aplicável, quer no contexto de acordos de cooperação, quer em acordos de acesso efetivo e não discriminatório de terceiros à rede de empresas verticalmente integradas com poder de mercado significativo num ou mais mercados relevantes.

 

Key Takeaways

Na senda do CECE, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas mantém o menu típico de obrigações regulatórias, acrescentando-lhe algumas novidades que advêm de uma maior maturidade dos mercados e a necessidade de incentivar o investimento. O maior exemplo deste racional é o regime regulatório aplicável às redes de capacidade muito elevada.

Ao mesmo tempo, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas reforça a possível imposição de obrigações regulatórias simétricas, nomeadamente de acesso, e reforça o poder da ANACOM para impor acesso a ativos de engenharia civil e a roaming localizado.

Apesar do reforço dos poderes, a imposição de obrigações regulatórias passa a estar dependente do cumprimento de mais requisitos e a sua interligação e interdependência é mais complexa.

Assim, não obstante a bondade do novo regime, a complexidade do mesmo levanta legítimas dúvidas sobre a sua aplicabilidade no mercado nacional.