Este texto visa aludir ao regime aplicável ao espectro de radiofrequências, tal como previsto na Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, em especial nos seus artigos 31.º a 49.º. Em concreto, serão destacados os principais contrastes, por referência ao regime previsto na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas.

 

Que princípios orientam a ANACOM em matéria de gestão de espectro?

À semelhança do regime previsto na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, a ANACOM, enquanto autoridade reguladora nacional, é a entidade competente para assegurar uma gestão eficiente fndo espectro de radiofrequências, tendo em conta o seu valor social, cultural e económico e o facto de pertencer ao domínio público do Estado (artigo 32.º/1).

Nesses termos, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas atribui à ANACOM os poderes necessários para, entre outros, (i) assegurar a cobertura de banda larga sem fios, de elevada qualidade e velocidade, do território nacional e da população, bem como dos principais eixos nacionais de transporte; (ii) garantir a previsibilidade e a coerência na atribuição, renovação, alteração, restrição e revogação de direitos de utilização do espectro de radiofrequências, a fim de promover investimentos a longo prazo; (iii) assegurar a prevenção de interferências prejudiciais, nacionais ou transnacionais, adotando medidas preventivas e corretivas adequadas para esse efeito; e, numa novidade da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, (iv) promover a utilização partilhada do espectro de radiofrequências, em conformidade com o Direito da Concorrência.

 

Que alterações foram introduzidas ao leque de poderes da ANACOM em matéria de gestão de espectro?

Em termos gerais, a ANACOM mantém uma parte significativa dos poderes que já tinha ao abrigo da anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, como os de atribuir, alterar ou renovar direitos de utilização e os de autorizar a transmissão e locação dos direitos de utilização. Todavia, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas opera alterações importantes em alguns aspetos mais específicos, quer ampliando, quer reduzindo os poderes da ANACOM. Assim, se a ANACOM vê serem-lhe atribuídos alguns novos poderes (desde logo, para promover a utilização partilhada de espectro, incluindo infraestruturas passivas e ativas, e para assegurar a caducidade simultânea de direitos de utilização atribuídos), por outro lado, o Regulador perde alguns dos poderes de que gozava ao abrigo do anterior regime (desde logo, ao abrigo da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, todos os regulamentos respeitantes a procedimentos de seleção concorrencial ou por comparação para atribuição de direitos de utilização de frequências devem ser aprovados pelo membro do Governo responsável pela área das comunicações).

De resto, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, seguindo de muito perto o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, prevê expressamente a intervenção de outras autoridades competentes na regulação sectorial, nomeadamente em matéria de direitos dos utilizadores finais, o que é também um ponto digno de destaque.

 

Quais as condições aplicáveis à utilização do espectro de radiofrequências?

Em geral, a utilização do espectro de radiofrequências para a oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas está sujeita às condições previstas para a autorização geral (artigo 36.º/1). Remetemos, neste ponto, para o nosso texto relativo ao regime da autorização geral.

 

Quais os regimes de atribuição de direitos de utilização do espectro de radiofrequências?

A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas mantém os dois regimes de atribuição de direitos de utilização de frequências já previstos na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, aplicáveis ao espectro de utilização condicionada, nos termos do Quadro Nacional de Atribuição de Frequências.

Assim, os direitos de utilização podem ser atribuídos (artigo 37.º/1 e 2): (i) em acessibilidade plena, mediante pedido instruído com informações destinadas à avaliação da atribuição do direito de utilização; ou (ii) através de procedimento de seleção concorrencial ou por comparação, devendo estes mecanismos ser abertos, objetivos, transparentes, proporcionais e não discriminatórios.

 

Quais são as condições associadas aos direitos de utilização?

As condições associadas aos direitos de utilização devem ser definidas pela ANACOM, que também estabelece os critérios de avaliação do cumprimento das mesmas. Estas condições deverão ser proporcionais, transparentes e não discriminatórias e poderão consistir, por exemplo (i) em exigências de cobertura e de qualidade do serviço; (ii) no estabelecimento de durações máximas dos direitos; ou (iii) em obrigações para a utilização experimental de espectro.

Em geral, este regime mantém-se, assim, semelhante ao anteriormente vigente. Merece, todavia, destaque a novidade de a ANACOM poder impor, enquanto condição associada a direitos de utilização, obrigações para agrupar ou partilhar espectro ou para conceder acesso ao espectro a outros utilizadores em áreas específicas ou a nível nacional.

 

Qual o regime aplicável à renovação dos direitos de utilização?

As regras relativas à renovação dos direitos de utilização sofreram alterações significativas na Nova Lei das Comunicações Eletrónicas. Enquanto na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas a renovação dependia exclusivamente da iniciativa do titular dos direitos, a nova lei atribui à ANACOM a possibilidade de, por sua própria iniciativa, avaliar a necessidade de renovação.

A renovação dos direitos poderá também partir da iniciativa do titular dos mesmos, que deverá requerê-lo à ANACOM com uma antecedência mínima de 18 meses e máxima de cinco anos relativamente ao termo do prazo de validade, o que difere da antecedência mínima de um ano prevista na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas. A ANACOM deverá dar resposta ao pedido apresentado no prazo máximo de seis meses seguidos, contados desde a sua receção.

Em qualquer caso, o regime aplicável à renovação dos direitos não é inteiramente claro, podendo agora a ANACOM procurar renovar os direitos de forma a assegurar uma caducidade simultânea dos direitos de diferentes ou dos mesmos titulares.

De resto, é ainda de salientar que, no caso de direitos de utilização cujo número tenha sido limitado, os interessados deverão ter a oportunidade de se pronunciarem sobre a renovação dos mesmos, no âmbito de um procedimento de consulta pública (artigo 41.º).

 

Como se processa a transmissão e locação dos direitos de utilização?

O regime de transmissão e locação de direitos de utilização de frequências mantém-se idêntico ao previsto na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas.

Por regra, o titular de um direito de utilização de frequências, pretendendo transmitir ou locar esse direito, poderá fazê-lo, mediante pedido apresentado à ANACOM. Esta possibilidade apenas será interdita quando esses direitos tenham sido atribuídos (i) a título gratuito ou (ii) para a oferta de serviços de programas de rádio e de distribuição de serviços de programas televisivos e de rádio, no âmbito de procedimentos específicos, para o cumprimento de objetivos de interesse geral e com esses fundamentos a ANACOM tenha estabelecido a sua intransmissibilidade.

O pedido deverá ser submetido ao procedimento menos oneroso possível, devendo a ANACOM pronunciar-se sobre o mesmo no prazo de 45 dias úteis. Nessa avaliação, compete à ANACOM garantir que a transmissão ou a locação não provocam distorções de concorrência (artigo 44.º).

 

Que poderes tem a ANACOM em matéria de defesa da concorrência na utilização do espectro?

A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas determina a obrigação da ANACOM de promover a concorrência efetiva e evitar distorções da concorrência no mercado interno, nos termos do artigo 44.º, que reflete, de modo fiel, um ponto de destaque do regime de espectro previsto no Código Europeu das Comunicações Eletrónicas.

Neste sentido, a ANACOM vê agora robustecidos os seus poderes em matéria de gestão de espectro, podendo adotar ou propor a outras autoridades competentes medidas adequadas para evitar tais distorções, como (i) limitar a quantidade de faixas do espectro para as quais são concedidos direitos de utilização ou associar condições a esses direitos; (ii) reservar parte de uma faixa ou de um grupo de faixas do espectro para atribuição a novos entrantes no mercado; (iii) recusar atribuir novos direitos de utilização ou autorizar novas utilizações do espectro em determinadas faixas, bem como associar condições à atribuição de novos direitos de utilização ou a novas utilizações do espectro de radiofrequências, incluindo a transmissão ou locação, para evitar distorções da concorrência provocadas pela atribuição, transmissão ou acumulação de direitos de utilização; (iv) proibir ou impor condições à transmissão de direitos de utilização, caso essa transmissão seja suscetível de prejudicar significativamente a concorrência e não esteja sujeita ao regime legal nacional ou da União Europeia de controlo de operações de concentração; ou (v) alterar direitos de utilização, sempre que tal seja necessário para corrigir uma distorção da concorrência provocada pela transmissão ou acumulação de direitos de utilização.

Estas medidas deverão ter por base uma avaliação objetiva e prospetiva das condições de concorrência do mercado e da necessidade das medidas a adotar para manter ou alcançar uma concorrência efetiva, bem como dos efeitos prováveis das mesmas nos investimentos atuais e futuros dos participantes no mercado, em especial na implantação de redes.

 

Qual o regime aplicável à utilização partilhada do espectro?

Uma outra novidade da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas prende-se com a promoção da utilização partilhada do espectro de radiofrequências, definida pela Nova Lei das Comunicações Eletrónicas como “o acesso por dois ou mais utilizadores às mesmas faixas do espectro de radiofrequências, no âmbito da autorização geral ou de direitos de utilização do espectro de radiofrequências, ou numa combinação destes, em conformidade com as condições de partilha associadas a esses direitos, incluindo ao abrigo de um acordo de partilha”, cabendo à ANACOM “garantir a maximização da partilha do espectro de radiofrequências” (artigo 34.º/2/d). Este regime de partilha aplica-se não só ao espectro propriamente dito, mas também às infraestruturas passivas ou ativas que permitam ou suportem a sua utilização.

Embora a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas o não refira expressamente, a utilização partilhada do espectro parece poder decorrer do impulso dos próprios titulares, que, dentro dos limites do Direito da Concorrência e respeitando as condições associadas aos direitos de utilização, podem promover entre si acordos de partilha nesse âmbito. Por outro lado, tal configuração da utilização do espectro pode ainda ser determinada pela ANACOM, designadamente para assegurar a utilização efetiva e eficiente do espectro de radiofrequências, ou para promover a cobertura (artigo 39.º/5).

 

Key Takeaways

Embora as traves mestras do regime do espectro de radiofrequências se mantenham, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas introduz, ainda que só em alguns pontos específicos, alterações significativas a essas regras.

As principais inovações estão relacionadas com os poderes e atribuições da ANACOM, cujo papel é reforçado em algumas matérias (sobretudo em matéria de proteção da utilização competitiva do espectro) e retraído noutras.

É de destaque, também, a introdução do regime da utilização partilhada de espectro e das infraestruturas ativas e passivas que permitam ou suportem a sua utilização, reservando a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas à ANACOM poderes para a impor.

Será interessante acompanhar a atuação da ANACOM nestas matérias, de forma a perceber se esta expansão dos seus poderes se concretizará num maior controlo das atividades dos operadores.