A Proposta do OE contempla a primeira sistematização, em Portugal, de regras próprias para a tributação de operações que envolvam criptoativos (e não apenas criptomoedas), procurando assegurar uma nova fonte de receita fiscal e confirmando que esta nova realidade não é passível de enquadramento nas regras gerais tributárias atualmente em vigor.

Esta sistematização surge no momento em que foi aprovado pelo Conselho Europeu um Regulamento que estabelece um quadro europeu para os mercados de criptoativos (Regulamento MiCA).

Cabe, porém, recordar, que embora não haja atualmente quaisquer regras tributárias que versem especificamente este tipo de operações, a autoridade tributária já se havia pronunciado sobre a tributação das criptomoedas ou moedas virtuais, em resposta a um pedido de informação vinculativa emitida em 2016, tendo sustentado que a venda de criptomoeda não é tributável, à luz do ordenamento jurídico em vigor, a menos que, pela sua habitualidade, constitua uma atividade profissional ou empresarial.

 

A.    Tributação em sede de IRS

A Proposta do OE inclui uma definição de criptoativo, para efeitos do Código do IRS, considerando criptoativo “toda a representação digital de valor ou direitos que possa ser transferida ou armazenada eletronicamente recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou outro semelhante”.

A definição proposta é, assim, ampla e encontra-se alinhada com a definição de criptoativo adotada pelo Banco de Portugal e pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, incluindo, nomeadamente, criptomoedas (v.g. bitcoins), Non-Fungible Tokens (NFT), stablecoins (ativo cuja valorização está associada a um ativo subjacente e que pode consistir em moedas de curso legal, comnodities ou outro criptoativo), utility tokens (que permite o acesso a bens e serviços) e security tokens (que se assemelham a valores mobiliários que asseguram aos seus titulares determinados direitos).

 

Operações relacionadas com a emissão de criptoativos ou validação de transações de criptoativos

A Proposta do OE prevê que as operações relacionadas com a emissão de criptoativos (incluindo a mineração) ou a validação de transações de criptoativos através de mecanismos de consenso sejam consideradas atividades comerciais.

Caso esta medida venha a ser aprovada, os rendimentos decorrentes do exercício das atividades acima mencionadas serão considerados rendimentos empresariais e profissionais (i.e., integrados na Categoria B).

Para a determinação do rendimento tributável decorrente destas atividades, no âmbito do regime simplificado de tributação (i.e., o regime em regra aplicável aos sujeitos passivos de IRS que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação anterior um montante anual ilíquido de rendimentos de Categoria B de € 200.000), deverá ser aplicado ao rendimento o coeficiente de 0,15. Assim, em termos práticos, caso esta medida seja aprovada, apenas ficarão sujeitas às taxas gerais progressivas de IRS 15% dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo abrangido pelo regime simplificado de tributação, com atividades de emissão de criptoativos e de validação das transações (não sendo possível deduzir despesas).

Para os contribuintes que integrem o regime da contabilidade organizada (i.e. que registem um montante anual ilíquido de rendimentos superior a € 200.000), a base tributável consistirá no valor dos rendimentos auferidos, a que serão dedutíveis as despesas indispensáveis à obtenção daqueles rendimentos.

É importante assinalar que o que se visa com esta medida é a tributação de atividades, como sejam a mineração, que contribuam para a criação ou armazenamento em blockchain deste tipo de ativos, não estando em causa ganhos decorrentes da sua mera compra e venda, tributados, conforme referido abaixo, como mais-valias.

 

Alienação onerosa de criptoativos

A Proposta do OE prevê que os ganhos obtidos com operações relacionadas com a alienação onerosa de criptoativos que não constituam valores mobiliários sejam consideradas mais-valias e, consequentemente, tributados como incrementos patrimoniais (i.e., integrados na Categoria G) em sede de IRS. Contudo, a Proposta do OE pretende consagrar dois regimes de tributação distintos, consoante o período de detenção dos criptoativos alienados:

  • Alienação onerosa de criptoativos detidos há menos de 365 dias

Propõe-se que o saldo entre as mais-valias e menos-valias, resultantes das operações de alineação de criptoativos detidos há menos de 365 dias, seja tributado à taxa especial de 28% (com a opção pelo englobamento).

Salienta-se que a norma que entrará em vigor em 1 de janeiro de 2023, que determina o englobamento obrigatório do saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultantes das operações de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários detidos por um período inferior a 365 dias, nos casos em que o sujeito passivo tenha um rendimento coletável igual ou superior ao valor do último escalão, não será aplicável às operações de alienação de criptoativos. Assim, para sujeitos passivos com rendimentos coletáveis superiores a € 78.834, o investimento em criptoativos mantém-se mais atrativo, de um ponto de vista fiscal, do que o investimento em partes sociais e outros valores mobiliários.

À semelhança das mais-valias obtidas com a alienação de valores mobiliários, o ganho sujeito a IRS será constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimentos de capitais.

Adicionalmente, será possível deduzir, para a determinação do rendimento tributável, as despesas necessárias e efetivamente praticadas pelo sujeito passivo, inerentes à aquisição e alienação dos criptoativos (e.g., as comissões devidas às plataformas que transacionam este tipo de ativos).

De acordo com a redação do Código do IRS atualmente em vigor, caso a autoridade tributária, no âmbito de operações de alienação onerosa de ativos, considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, terá a faculdade de proceder à respetiva determinação. A Proposta do OE consagra que, caso existam dúvidas quanto aos valores declarados pelo sujeito passivo no contexto da transmissão onerosa de criptoativos, se presuma que o valor de alienação é o valor de mercado do criptoativo, à data da alienação.

  • Alienação onerosa de criptoativos detidos há 365 dias ou mais

No que respeita aos criptoativos detidos por mais de 365 dias, propõe-se uma isenção de tributação, estabelecendo-se ainda que, para efeitos da contagem do período de detenção dos criptoativos adquiridos antes de 1 de janeiro de 2023, seja considerado o período de detenção decorrido antes dessa data.

 

Reporte de menos-valias

A Proposta do OE propõe que o saldo negativo apurado relativamente às operações de alienação de criptoativos (independentemente do período de detenção), num determinado ano, possa ser reportado para os cinco anos seguintes, caso o sujeito passivo opte pelo englobamento, ou seja, pela tributação destas operações às taxas gerais progressivas, ao invés da tributação à taxa especial de 28% (regime que não permite o reporte de perdas).

 

Obrigações declarativas

A Proposta do OE prevê a criação de uma nova declaração de comunicação de operações com criptoativos.

Propõe-se que esta obrigação declarativa seja aplicável aos prestadores de serviços de custódia e administração de criptoativos por conta de terceiros e a gestores de uma ou mais plataformas de negociação de criptoativo, independentemente de se tratar de pessoas singulares, pessoas coletivas, organismos ou outras entidades sem personalidade jurídica.

Os visados pela nova obrigação de comunicação, caso a mesma venha a ser aprovada, deverão comunicar à autoridade tributária as operações com criptoativos efetuadas com a sua intervenção, até ao final do mês de janeiro de cada ano, relativamente a cada sujeito passivo, através de modelo oficial a aprovar.

Esta é uma norma de difícil imposição a prestadores não residentes.

 

Equivalência patrimonial dos criptoativos

A Proposta do OE prevê que, caso exista um pagamento de um rendimento em espécie, que assuma a forma de criptoativo, sejam aplicáveis as regras atualmente em vigor para a equivalência pecuniária dos restantes rendimentos em espécie.

Assim, e atendendo às particularidades dos criptoativos, deverá atender-se, sucessivamente, ao preço tabelado oficialmente, à cotação oficial de compra ou ao valor de mercado, em condições de concorrência.

 

B.   Tributação em sede de IRC 

A Proposta do OE prevê que os rendimentos decorrentes de operações relacionadas com a emissão de criptoativos (incluindo a mineração) ou a validação de transações de criptoativos através de mecanismos de consenso sejam consideradas atividades comerciais e industriais também sejam sujeitas a IRC.

À semelhança do que é proposto em sede de IRS, a Proposta do OE refere que, para a determinação do rendimento tributável decorrente destas atividades, no âmbito do regime simplificado de determinação da matéria coletável (i.e., o regime aplicável, por opção, a entidades que tenham designadamente obtido, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a € 200.000, cujo balanço relativo ao período de tributação imediatamente anterior não exceda € 500.000 e não estejam legalmente obrigados à revisão legal das contas), deverá ser aplicado ao rendimento o coeficiente de 0,15. Assim, em termos práticos, caso esta medida seja aprovada, apenas serão tributados 15% dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo com atividades de emissão de criptoativos e de validação das transações.

 

C.    Tributação em sede de Imposto do Selo

 

Transmissão gratuita de criptoativos

A proposta do OE prevê que, para efeitos do Código do Imposto do Selo, sejam consideradas transmissões gratuitas as que tenham por objeto criptoativos.

Prevê-se, assim, a sujeição a Imposto do Selo, à taxa de 10%, das transmissões gratuitas de criptoativos depositados em instituições com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional. Não se tratando de criptoativos depositados, prevê-se a sujeição a Imposto do Selo sempre que:

  • O autor da transmissão tenha domicílio em território nacional, no caso das sucessões por morte;
  • O beneficiário da transmissão tenha domicílio em território nacional, nas restantes transmissões gratuitas.

A Proposta do OE prevê ainda que as entidades depositárias não poderão autorizar o levantamento dos criptoativos que lhes tenham sido confiados, em virtude de transmissão gratuita, sem que seja efetuada prova do pagamento do Imposto do Selo ou da apresentação da participação de transmissão gratuita (Declaração Modelo 1 do Imposto do Selo), no caso de transmissões isentas.

Quanto ao mais, a transmissão gratuita de criptoativos deverá ficar sujeita às normas de tributação hoje aplicáveis à transmissão gratuita da maioria dos ativos. Assim, estarão isentos de Imposto do Selo o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, relativamente a transmissões gratuitas de criptoativos de que sejam beneficiários.

 

Valor tributável dos criptoativos

A Proposta do OE prevê que a determinação do valor tributável dos criptoativos, relevante no âmbito das transmissões gratuitas, seja efetuada tendo em consideração:

  • O valor da cotação oficial, quando exista;
  • O valor declarado pelo cabeça-de-casal ou pelo beneficiário, devendo, tanto quanto possível, aproximar-se do valor de mercado.

Propõe-se ainda que, caso a autoridade tributária considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor de mercado, terá a faculdade de proceder à determinação do valor tributável com base no valor de mercado.

 

Prestação de serviços de criptoativos

A Proposta do OE prevê a incidência de Imposto do Selo sobre as comissões e contraprestações cobradas no âmbito da prestação de serviços de criptoativos.

Não obstante adotar uma terminologia idêntica à que se encontra prevista por referência às operações realizadas por ou com intermediação de instituições financeiras, a Proposta do OE, ao referir que ficam sujeitas a imposto do selo as comissões e contraprestações cobradas “por ou com” intermediação de prestadores de serviços de criptoativos, parece pretender abranger todas as comissões cobradas no âmbito da prestação de serviços de criptoativos, independentemente da concreta natureza do destinatário dessas comissões.

No que respeita à incidência territorial, ficarão sujeitas a Imposto do Selo as comissões e contraprestações cobradas no âmbito da prestação de serviços de criptoativos quando qualquer das partes (o prestador de serviços ou o cliente desses serviços) tiver domicílio em território nacional (considerando-se domicílio a residência, sede, direção efetiva, filial, sucursal ou estabelecimento estável).

Com a aprovação da Proposta do OE, as comissões e contraprestações cobradas no âmbito da prestação de serviços de criptoativos, nos termos acima descritos, passarão a estar sujeitas a Imposto do Selo, à taxa de 4%, nascendo a obrigação tributária no momento da cobrança das referidas comissões.

Quanto à questão de saber quais as entidades que estarão obrigadas a declarar estas operações na Declaração Mensal de Imposto do Selo (e entregar o correspondente imposto ao Estado), a Proposta do OE prevê normas de incidência subjetiva idênticas às que se encontram previstas para as comissões por serviços financeiros.

Assim, nos termos da Proposta do OE, prevêem-se as seguintes situações:

  • O prestador de serviços de criptoativos é domiciliado em território nacional: o sujeito passivo será o prestador de serviços;
  • O prestador de serviços de criptoativos não é domiciliado em território nacional, mas a operação foi intermediada por um prestador de serviços de criptoativos domiciliado em território nacional: o sujeito passivo será o intermediário;
  • O prestador de serviços de criptoativos não é domiciliado em território nacional e a operação não foi intermediada por um prestador de serviços de criptoativos domiciliado em território nacional: o sujeito passivo será o representante obrigatoriamente nomeado em Portugal.

Por último, nos termos da Proposta do OE, a entidade a quem os serviços de criptoativos forem prestados será responsável solidariamente, com o prestador de serviços, pelo pagamento do Imposto do Selo.

 

D.    Impactos em sede de IMT

Atualmente, o Código do IMT prevê que este imposto incide sobre o valor constante do ato ou do contrato  ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.

Lembrando que em 2022 teve lugar a primeira operação de aquisição de um imóvel com recurso a criptomoeda (através de uma permuta do imóvel por bitcoin), a Proposta do OE vem estabelecer que o valor dos criptoativos dados em troca deverá ser incluído para a determinação do valor constante do ato ou do contrato, sobre o qual incidirá o IMT.

De acordo com a Proposta do OE, o valor dos criptoativos deverá ser determinado nos termos do Código do Imposto do Selo. Relembramos que, caso a Proposta do OE seja aprovada, a determinação do valor dos criptoativos deverá ser efetuada tendo em consideração o valor da cotação oficial, quando exista ou o valor de mercado, incidindo IMT sobre aquele valor.