Este texto visa dar a conhecer o regime aplicável aos operadores de comunicações interpessoais, abrangidos pela Nova Lei das Comunicações Eletrónicas.

 

O que são serviços de comunicações interpessoais?

Enquadram-se nesta categoria os serviços que, cumulativamente:

(i)     ermitem a troca de informação direta, interpessoal e interativa (excluindo os serviços em que esta comunicação interpessoal e interativa é uma funcionalidade acessória menor, intrinsecamente associada a outro serviço - por exemplo, serviços de chat associados a jogos online),

(ii)    Através de redes comunicações eletrónicas,

(iii)   Entre um número limitado de pessoas,

(iv)   Podendo quem dá origem ou participa na comunicação escolher os seus destinatários, e

(v)    São oferecidos, em geral, mediante remuneração (quer por via direta, pelo pagamento de um preço, ou por via indireta, por intermédio de receitas publicitárias).

 

Que tipos de serviços de comunicações interpessoais estão definidos?

Serviços de comunicações interpessoais com base em números: estabelecem ligação ou permitem comunicação, através de recursos de numeração publicamente atribuídos (artigo 3.º/1/uu).

Note-se que, conforme o Considerando 18 do CECE, a simples utilização de um número enquanto identificador não basta para, por si só, qualificar um serviço como serviço de comunicações interpessoais baseado em números. Este conceito de “serviço de comunicações interpessoais com base em números” refere-se especificamente a serviços em que (i) o número assegura a conectividade ou a ligação ponto-a-ponto, ou que (ii) permitem o contacto com os utilizadores titulares desse número.

A estes serviços passam a aplicar-se muitas das obrigações previstas para os serviços de comunicações eletrónicas tradicionais – desde logo, estão sujeitos ao regime da autorização geral (artigo 16.º/3) –, uma vez que beneficiam de recursos de numeração.

Serviços de comunicações interpessoais independentes de números: diferentemente, estes serviços não permitem estabelecer ligação ou comunicar com recursos de numeração publicamente atribuídos (artigo 3.º/1/vv) - são os tipicamente denominados serviços over-the-top ou OTT, que passam agora a estar abrangidos por diversas regras resultantes da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas.

 

Quais são as principais obrigações dos operadores de serviços de comunicações interpessoais acessíveis ao público?

Com exceção das microempresas que apenas prestem serviços de comunicações interpessoais independentes de número (artigo 110.º/1), os operadores de serviços de comunicações interpessoais acessíveis ao público devem:

(i)     Dar cumprimento aos direitos dos utilizadores finais (descritos em maior pormenor no texto relativo aos direitos dos utilizadores finais);

(ii)    Disponibilizar mecanismos de controlo de utilização a consumidores, microempresas, pequenas empresas e organizações sem fins lucrativos, quando os serviços sejam faturados com base no tempo ou volumes de consumo (artigo 113.º/2/b);

(iii)   Publicar, de forma clara, atualizada, exaustiva e transparente, os termos e condições aplicáveis aos seus serviços, bem como as informações referidas no Anexo I (artigo 116.º/1); e ainda

(iv)   Publicar, a pedido da ANACOM, informações completas, comparáveis e atualizadas sobre a qualidade do serviço disponibilizado e sobre as medidas tomadas para garantir acesso a utilizadores finais com deficiência (artigo 117.º).

 

Quais são as principais obrigações especificamente aplicáveis aos operadores de serviços de comunicações interpessoais acessíveis ao público, com base em números?

(i)     Obedecer ao regime da autorização geral – já previsto na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, ainda que a sua aplicação a estes operadores não fosse clara (artigo 16.º/2);

(ii)    Cumprir as condições gerais definidas pela ANACOM por associação ao regime da autorização geral (remetemos, a este respeito, para o texto relativo ao regime da autorização geral), incluindo (artigo 27.º): (a) obrigações de acesso; (b) obrigações de interligação de redes e interoperabilidade de serviços; (c) obrigações em matéria de tratamento de dados pessoais e da proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas; ou (d) obrigações sobre segurança e integridade das redes públicas de comunicações eletrónicas;

(iii)   Permitir ligação gratuita a serviços de emergência (112) (artigo 67.º/1) e transmitir informações relacionadas com proteção civil ou de interesse público (artigos 68.º/1 e 119.º);

(iv)   Detalhar, nas respetivas faturas mensais: (a) os serviços prestados e respetivos preços, e (b) o período de fidelização restante, bem como o preço associado à denúncia do contrato (artigo 122.º);

(v)    Cumprir obrigações de notificação de utilizadores finais e consumidores, previamente à suspensão de prestação de serviços (artigos 127º e 128.º);

(vi)   Creditar, ao utilizador final, o valor correspondente aos períodos de indisponibilidade do serviço, mesmo que este não o solicite (artigo 129.º); e

(vii)  Disponibilizar uma oferta não sujeita a período de fidelização e, caso pretendam oferecer simultaneamente ofertas com períodos de fidelização, limitar os mesmos a 6, 12 ou 24 meses (artigo 131.º).

 

Podem ser impostas obrigações de acesso e interligação aos operadores que prestam estes serviços?

Quanto aos operadores que prestam serviços com base em números, uma vez que se encontram sujeitos ao regime da autorização geral, pode ser imposta a obrigação de acesso e interligação para garantir: (i) a conectividade extremo-a-extremo ou (ii) a interoperabilidade dos serviços (artigo 103.º/1/a e b) – esta obrigação era já aplicável aos operadores de serviços de comunicações eletrónicas tradicionais, estando por delimitar como se irá aplicar aos novos serviços abrangidos.

Quanto às empresas que prestem serviços interpessoais sem ser com base em números, estas obrigações apenas podem ser impostas pela ANACOM para assegurar interoperabilidade, quando as empresas atinjam um nível significativo de cobertura e número de utilizadores finais e mediante decisão da Comissão Europeia neste sentido (artigo 103.º/1/d e 103.º/2).

 

Quais são as consequências do incumprimento destas obrigações?

O incumprimento das obrigações aplicáveis pode dar origem a (i) responsabilidade civil, com fundamento no incumprimento dos direitos dos utilizadores finais, bem como (ii) responsabilidade contraordenacional (artigos 178.º e 179.º).

 

Key takeaways

A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas vem introduzir alterações significativas à prestação de serviços de comunicações interpessoais – serviços que, pelo menos na maioria dos casos, não se encontravam abrangidos pelo enquadramento legal anterior.

De forma transversal, as empresas que prestam estes serviços ficam sujeitas a várias obrigações e condições na sua atividade que não resultavam da anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, e que, com vista a garantir maior certeza e clareza jurídica quanto ao regime dos serviços OTTs, se tornaram realidade com a aprovação do CECE.

Salientamos o regime aplicável, a partir de agora, aos operadores de serviços de comunicações interpessoais com base em números. Estes operadores passam a estar sujeitos ao regime da autorização geral, o que os equipara aos operadores de serviços de comunicações eletrónicas tradicionais – um reflexo claro da sua importância e crescimento no mercado. Esta equiparação acarreta obrigações regulatórias, aplicáveis não só à sua relação com a ANACOM, mas também obrigações perante o consumidor/utilizador final.

Também os operadores de serviços de comunicações interpessoais independentes de número passam a ter obrigações específicas, nomeadamente no que toca à defesa dos utilizadores finais.

É, pois, importante que os prestadores destes serviços adaptem as suas práticas, sistemas e procedimentos para se prepararem para o novo quadro regulatório aplicável à sua atividade em Portugal.