Este texto visa avaliar as principais regras relativas à prestação do serviço universal (“SU”) ao abrigo da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, regras essas que se encontram previstas, sobretudo, no Artigos 147.º a 161.º.

 

O que é o SU?

O SU corresponde ao “conjunto mínimo de prestações (…) que, a um preço acessível, deve estar disponível, no território nacional, a todos os consumidores, em função das condições nacionais específicas sempre que exista um risco de exclusão social decorrente da falta de tal acesso que impeça os cidadãos que participem plenamente na vida social e económica da sociedade” (artigo 147.º/1).

Trata-se, no fundo, da prestação de um ou mais serviços que o legislador entendeu serem essenciais disponibilizar, num dado momento, a todos os utilizadores, independentemente das condições sociais e económicas a que estejam sujeitos; é, por outras palavras, o “último reduto” – uma “rede de segurança”, conforme se refere no Considerando 212 do CECE – de serviços de comunicações eletrónicas que devem existir e ser prestados a preços acessíveis e em todo o território.

 

Que serviços estão abrangidos pelo SU?

Com a evolução tecnológica que se tem vivido nas últimas décadas, seria natural que a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas viesse, em linha com o que se prevê no CECE a este respeito (especialmente o artigo 84.º), promover uma atualização dos serviços que devem ser incluídos neste conceito, por referência ao regime previsto na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas.

Assim, incluem-se no conceito de SU (i) “um serviço adequado de acesso à Internet de banda larga num local fixo”, (ii) “serviços de comunicações de voz, incluindo à ligação subjacente, num local fixo” e (iii) “medidas específicas para consumidores com deficiência, com o objetivo de assegurar um acesso equivalente às prestações que, no âmbito do serviço universal, estão disponíveis para os demais utilizadores” (artigo 148.º).

Apesar de ser um tema que já encontrava eco ao abrigo da anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, é digno de destaque o facto de a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas ter abrangido as medidas específicas para consumidores com deficiência no próprio âmbito do SU.

Já quanto aos restantes serviços incluídos no SU, os mesmos encontravam-se, em termos semelhantes, também previstos na anterior Lei das Comunicações Eletrónicas, pese embora se preveja, agora, o “acesso à internet de banda larga” (e já não  a mera “ligação a uma rede de comunicações públicas num local fixo”) e se tenha introduzido, no âmbito dos serviços de comunicações de voz, o conceito de “ligação subjacente”.

Com o novo regime, porém, dois serviços foram removidos do âmbito do SU: (i) a disponibilização de uma lista telefónica completa e de um serviço completo de informações de listas e (ii) a oferta adequada de postos públicos, o que se percebe face à queda contínua na utilização destes serviços, pese embora a relevância pontual do serviço de postos públicos em determinadas localizações. Embora tenham sido removidos do âmbito do SU, nada impede, contudo, que tais serviços continuem a ser prestados.

 

Quem beneficia do SU?

Conforme já mencionado, o propósito da existência do SU é o de assegurar que a totalidade da população tenha acesso ao conjunto mínimo de serviços incluído neste âmbito. Ainda que, em teoria, todos os utilizadores possam beneficiar do SU, a verdade é que, dado o seu âmbito, beneficiarão sobretudo aqueles que tenham dificuldades de “participarem plenamente na vida social e económica da sociedade”, tipicamente os que residam em zonas mais remotas ou apresentem dificuldades financeiras mais evidentes.

Em qualquer caso, e conforme decorre do CECE (artigo 84.º/5), a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas (artigo 148.º/4) atribui competência ao Governo para alargar o âmbito do SU aos utilizadores finais que sejam microempresas, pequenas e médias empresas e organizações sem fins lucrativos, estendendo, desta forma, o leque de potenciais beneficiários do SU.

A extensão de medidas de regulação de cariz mais social a estas entidades é, de resto, um dos aspetos mais inovadores da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas.

 

Que medidas específicas estão previstas para cidadãos com deficiência?

Compete ao Governo adotar as medidas específicas previstas para cidadãos com deficiência, competindo à ANACOM avaliar as condições em que no território nacional está a ser assegurado o acesso ao SU aos consumidores com deficiência e propor ao Governo as medidas que considere adequadas para assegurar um acesso equivalente àqueles utilizadores (artigo 154.º).

Para este efeito, a ANACOM pode propor ao Governo a adoção de medidas específicas e a disponibilização, de forma gratuita ou a preços acessíveis, de equipamentos terminais conexos, bem como de (i) serviços de conversação integrada e de retransmissão, (ii) equipamento amplificador de microtelefone, de forma a aumentar o volume de som no auscultador, para pessoas com deficiências auditivas, (iii) avisador luminoso de chamadas, que consiste num dispositivo que ativa um sinal visual quando o equipamento terminal recebe uma chamada, (iv) fatura simples em braille, (v) linha com destino fixo, que permita o estabelecimento automático de chamadas para um determinado destino definido pelo cliente, (vi) possibilidade de fazer chamadas até um número predefinido de chamadas gratuitas para os serviços de informação de listas e (vii) linhas de apoio ao cliente em Língua Gestual Portuguesa, quando se justifique.

 

Como são designados os prestadores do SU?

Nesta matéria, não se verificam diferenças assinaláveis face ao regime anterior. Com efeito, quando o Governo decida impor obrigações para assegurar aos utilizadores finais a disponibilidade num local fixo de um serviço adequado de acesso à Internet de banda larga e de um serviço de comunicações vocais, pode designar uma ou mais empresas para garantir tal disponibilidade em todo o território nacional (artigo 161.º).

A seleção das empresas responsáveis pela prestação do SU deve ser efetuada através de um procedimento eficaz, objetivo, transparente, proporcional, não discriminatório e que assegure, à partida, que todas as empresas possam ser selecionadas, garantindo-se que a oferta do SU é efetuada de forma economicamente eficiente.

 

Quem financia o SU e de que forma decorre a eventual compensação pela verificação de um custo líquido na prestação do SU?

Conforme já resultava, em termos semelhantes, da lei anterior, compete à ANACOM verificar se a prestação do SU constitui um encargo excessivo para os prestadores desse serviço, competindo também à ANACOM definir o conceito de encargo excessivo (ver nota 1) (artigo 157.º e seguintes).

Verificando-se a existência de um encargo excessivo, nos termos que venham a ser definidos pela ANACOM, devem seguir-se as regras para o cálculo do custo líquido previstas no artigo 158.º da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, e que segue globalmente o que se previa para o efeito ao abrigo da lei anterior.

Efetuado o cálculo do custo líquido e concluindo a ANACOM que o prestador do SU está sujeito a um encargo excessivo, compete ao Governo promover a compensação adequada através de um ou ambos os seguintes mecanismos: (i) compensação a partir de fundos públicos e (ii) repartição do custo pelas empresas que ofereçam, no território nacional, redes e serviços de comunicações eletrónicas (sendo que, na lei anterior, se previa que apenas contribuíam para o fundo de compensação as empresas que ofereciam, no território nacional, redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público), sendo para o efeito estabelecido um fundo de compensação administrado pela ANACOM ou por outro organismo independente designado pelo Governo.

 

O SU ainda garante a sua função de “regulação social” ao abrigo da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas?

Conforme mencionado aqui, a função da “regulação social” nas comunicações eletrónicas – a qual, tipicamente, cabia aos prestadores de SU, dada a sua natureza intrínseca e os princípios subjacentes, sobretudo o da acessibilidade –, é, hoje em dia, sobretudo garantida através do regime da tarifa social da internet, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 66/2021, de 30 de julho (“DL 66/2021”).

Com efeito, com a redefinição do âmbito do SU e a criação da tarifa social da internet, a sua importância diminuiu drasticamente, e a tarifa social da internet permite garantir, quase na sua totalidade, o cumprimento dos objetivos subjacentes ao SU.

Tal decorre, sobretudo, de três considerações distintas:

(i)       Por um lado, o serviço de maior relevância social incluído no âmbito do SU é, sem sombra de dúvidas, o “serviço adequado de acesso à internet de banda larga num local fixo”, serviço esse que já é garantido, precisamente, pela tarifa social da internet – como decorre do DL 66/2021, a tarifa social da internet permite aos consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais beneficiarem de um acesso à internet de banda larga a um preço reduzido;

(ii)      Por outro lado, o catálogo de serviços mínimos garantidos decorrente da prestação do serviço de acesso à internet de banda larga num local fixo previsto na Nova Lei das Comunicações Eletrónicas (artigo 149.º/2) é o mesmo que o catálogo de serviços mínimos decorrente da prestação da tarifa social da internet (ver nota 2) (artigo 3.º/1 do DL 66/2021); e

(iii)     Por fim, os preços que devem ser cobrados aos utilizadores pela prestação do SU devem ser acessíveis (sendo monitorizados regularmente pela ANACOM), princípio seguido também pela regulação da tarifa social da internet, sendo as tarifas definidas por portaria do membro do Governo responsável pela área da transição digital, no seguimento de proposta fundamentada e não vinculativa da ANACOM (ver nota 3).

Para além destes pontos, importa ainda referir que com os futuros concursos para a cobertura de redes públicas de comunicações eletrónicas de capacidade muito elevada nas ''áreas brancas'' – isto é, as áreas do país onde ainda não exista penetração daquelas redes de comunicações eletrónicas – é expectável que tal implique uma acrescida redução da importância do SU.

Assim, a tarifa social da internet, que, em certa medida, foi precursora da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, persegue hoje em dia os principais objetivos do SU, não sendo, assim, claro, qual o papel do SU no âmbito da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, tudo indicando que poderá ser um capítulo sem grande aplicação prática.

 

Key takeaways

Na senda do que se prevê no CECE, e da natural evolução da prestação do SU nos diversos países, constata-se que a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas atribui, direta e indiretamente, menor importância ao tema do SU.

Em qualquer caso, e sem prejuízo de se manterem, em termos globalmente semelhantes as regras anteriormente previstas quanto à designação dos prestadores do SU e ao seu financiamento, a Nova Lei das Comunicações Electrónicas trouxe algumas novidades no que respeita ao seu âmbito e objecto, retirando do escopo do SU alguns serviços que se tornaram obsoletos ou de reduzida importância.

A maior novidade no que ao tema do SU diz respeito, porém, a algo que aconteceu no sector de forma paralela: a aprovação da tarifa social da internet veio trazer para si a grande fatia da “regulação social” que antes cabia ao SU e que, em termos semelhantes, acaba por realizar e cumprir os objetivos que sempre lhe estiveram subjacentes.



Notas:

1 - Através de decisão de 27.09.2021, a ANACOM determinou o conceito de encargo excessivo com o fornecimento do serviço de acesso à internet em banda larga no âmbito da tarifa social da internet. Para este efeito, a ANACOM considerou que se verifica a existência de encargo excessivo quando se verifique que o custo líquido decorrente da prestação desse serviço, verificável e verificado, é igual ou superior a 3% das receitas obtidas com essa prestação ou quando o critério anterior não se encontrar preenchido e o prestador conseguir demonstrar que a sua capacidade competitiva no mercado foi afetada de modo relevante, sendo para o efeito considerado, designadamente: a evolução dos indicadores de rentabilidade e métricas relacionadas, da quota de mercado, dos preços praticados pelo prestador e concorrentes e do rácio de clientes/acessos em TSI para clientes/acessos em mercado não regulado

2 - Correio eletrónico; motores de pesquisa, que permitam procurar e consultar todos os tipos de informação; ferramentas de formação e educativas de base em linha; jornais ou notícias em linha; compra ou encomenda de bens ou serviços em linha; procura de emprego e instrumentos de procura de emprego; ligação em rede a nível profissional; serviços bancários via Internet; utilização de serviços da Administração Pública em linha; utilização de redes sociais e mensagens instantâneas; e chamadas e videochamadas (com qualidade-padrão);

3 - Nos termos da Portaria n.º 274-A/2021, de 29 de Novembro, o valor mensal da tarifa social de acesso à Internet em banda larga fixa ou móvel é de 5 euros mensais, acrescido de IVA, sendo que, nos casos em que a atribuição da tarifa social de acesso a serviços de Internet em banda larga fixa ou móvel deva ser precedida de serviços de ativação e ou equipamentos de acesso, o preço, máximo e único, a cobrar para esse efeito é de 21,45 euros.