Os produtos têxteis constituem uma matéria fundamental para a sociedade moderna e assumem um papel muito importante na atual indústria europeia, bem evidenciado pelo consumo médio destes produtos por cada pessoa na Europa: cerca de 26 kg/ano.

No entanto, tais produtos têm um impacto ambiental não negligenciável, que é agravado, por um lado, pelo facto de só uma parcela ínfima dos têxteis produzidos ser reutilizada ou reciclada e, por outro lado, pelo seu consumo crescente, impulsionado pela fast fashion e pela redução dos preços de compra de vestuário – e, mais recentemente, pelo surgimento da pandemia COVID-19, que conduziu a um aumento explosivo na compra (sobretudo, por parte das entidades públicas, em especial as que operam no Serviço Nacional de Saúde) de máscaras, luvas, batas e outros equipamentos de proteção médica.

Neste contexto, afigura-se que, enquanto compradoras, as entidades públicas podem e devem dar o exemplo de sustentabilidade: não apenas num futuro a médio prazo, mas desde já. Com efeito, a urgência na aquisição não é necessariamente incompatível com a salvaguarda de aspetos ambientais: de resto, a própria Comissão Europeia, nas suas Orientações sobre a utilização do quadro em matéria de contratos públicos na situação de emergência relacionada com a crise da COVID-19 (2020/C 108 I/01), de 01.04.2020, não deixou de sublinhar a conveniência de se “ter também em conta os aspetos estratégicos dos contratos públicos, em que os requisitos ambientais, de inovação e sociais, incluindo a acessibilidade a quaisquer serviços adquiridos, são integrados no processo de contratação”.

Aqui chegados, de que forma podem, então, os compradores públicos adquirir produtos têxteis de forma ambientalmente mais responsável?

Também aqui, a referência pode ser encontrada na Comissão Europeia, cujo Centro Comum de Investigação (Joint Research Centre), em 11.05.2020, aprovou uma orientação técnica – intitulada EU Green Public Procurement (GPP) Criteria for Textile Products and Services Guidance Document – que constitui um contributo útil para as entidades adjudicantes.

A referida orientação técnica, ou “guia” para as entidades adjudicantes, percorre as diversas fases dos procedimentos pré-contratuais para a aquisição de têxteis, procurando esclarecer as entidades adjudicantes sobre como podem refletir preocupações ambientais em cada uma delas. Embora não especificamente pensada para aquisições relacionadas com a prevenção e combate à COVID-19 – de resto, o próprio documento ressalva que as suas orientações são genéricas e carecem sempre de ser adaptadas a cada caso concreto (tendo em conta os específicos contornos do contrato que se pretende celebrar e o interesse público a prosseguir através da sua celebração) –, é perfeitamente possível transpor as recomendações constantes deste guia para o “nicho” específico dos produtos têxteis adquiridos neste contexto pandémico.

Assim, percorrendo cronologicamente as sucessivas fases dos procedimentos pré-contratuais até à celebração do contrato (e avançando até à fase da sua execução), pode traçar-se o seguinte itinerário:

  • Fase pré-decisória: antes de mais – e numa cautela que tem vindo, em Portugal, a ter um cada vez maior acolhimento legislativo –, a entidade adjudicante, mais do que definir o que quer comprar, e quanto quer comprar, deve primeiramente decidir se precisa mesmo de comprar produtos têxteis. A verificação da própria necessidade de contratar deve logicamente preceder a definição do objeto da contratação e das quantidades a adquirir.
    No caso dos produtos relacionados com a pandemia, a necessidade da compra revela-se indiscutível (nenhuma entidade tinha em stock a quantidade de produtos necessária para fazer face a um evento desta magnitude), o que não significa que as quantidades e as características dos produtos a adquirir não devam ser objeto de atenção.

  • Elaboração das peças do procedimento: neste âmbito, a entidade adjudicante deve recolher dados que lhe permitam verificar os impactos ambientais da sua compra e proceder à definição de metas a atingir. Para este efeito, poderá ser relevante proceder à análise de experiências contratuais anteriores ou a uma consulta preliminar ao mercado.
    Deverá igualmente ser criteriosa na fixação das especificações técnicas a observar (v.g., tendo em atenção a origem das fibras, restrições à utilização de produtos químicos, o prolongamento da durabilidade dos produtos, a conservação de energia durante o seu uso e o facto de o próprio produto ter ou não um design que promova a sua reutilização e reciclagem – promovendo-se assim também a economia circular).
    Além disso, poderá (deverá) a entidade adjudicante adotar um critério de adjudicação que não incida apenas sobre o preço, incorporando também fatores como o custo do ciclo de vida do produto a comprar. Neste âmbito, refira-se que, além de esta possibilidade já decorrer da lei (tendo sido reforçada pela revisão de 2017 do Código dos Contratos Públicos), foi recentemente reiterada pelo próprio Governo, que, no seu Programa de Estabilização Económica e Social (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 04.06.2020), veio reforçar a aposta na “[p]revisão de critérios de adjudicação relacionados com a sustentabilidade ambiental” (ponto 5.2).

  • Escolha do procedimento pré-contratual: destacando-se aqui a possibilidade (e conveniência) de as entidades adjudicantes adotarem procedimentos com fase de prévia qualificação, de modo a permitir a avaliação da experiência e capacidade técnica dos candidatos e assegurar que só serão apresentadas propostas por parte de entidades capazes.

  •  Análise e avaliação das propostas: com vista a assegurar que as propostas cumprem efetivamente com todas as especificações técnicas fixadas no caderno de encargos e que a proposta escolhida é efetivamente a que se revela a economicamente mais vantajosa.

  • Execução e cumprimento do contrato: porque um procedimento bem preparado e a escolha de uma boa proposta, só por si, não bastam, é depois necessário garantir que, na prática, o contrato será efetivamente executado nos estritos termos que presidiram à sua celebração, sendo esta a única forma de prosseguir satisfatoriamente o interesse público que se lhe encontra subjacente.

Em suma, tendo como pano de fundo a obrigação de as entidades públicas comprarem de forma ambientalmente responsável, este documento veio relembrar que não há motivo para que essa obrigação não seja igualmente aplicada no contexto da aquisição de produtos têxteis – incluindo, acrescente-se, os relacionados com a prevenção e combate à COVID-19 –, podendo (e devendo) as preocupações subjacentes ao green public procurement ser refletidas ao longo de todo o procedimento de formação do contrato e até mesmo durante a sua execução.

Tendo em conta os resultados da recente Auditoria às Compras Públicas Ecológicas efetuada pelo Tribunal de Contas (Relatório n.º 7/2020, da 2.ª Secção) – na qual se concluiu que a Estratégia Nacional para as Compras Públicas Ecológicas 2020 não está a ser implementada de forma eficaz, nomeadamente em virtude de muitas entidades adjudicantes sentirem dificuldades na aplicação de critérios ambientais nas compras públicas, ou qualificarem como “ambientais” critérios que, na verdade, não o são –, o apelo torna-se ainda mais urgente e necessário.

Com todos os dramas humanos e problemas económicos que provocou, a crise pandémica representa, também aqui, uma oportunidade para um futuro mais sustentável, podendo a aquisição de produtos têxteis relacionados com a prevenção e combate à COVID-19 representar um “balão de ensaio” para instituir boas práticas de compras públicas ecológicas e que possam depois servir de modelo a ser replicado em todos os demais procedimentos aquisitivos. Por aqui passará, em boa medida, o contributo do sector público para a redução do impacto ambiental da sua atividade, juntando à prossecução do interesse público que diretamente se visa satisfazer com a celebração de cada contrato a defesa do interesse público transversal da proteção do ambiente.