O interesse sobre os criptoativos tem fomentado a discussão sobre a viabilidade do pagamento dos salários através deste tipo de ativos.
A utilização de criptoativos como meio de pagamento salarial revela-se conceptualmente atrativa no contexto de empresas multinacionais que empreguem um elevado número de trabalhadores remotos, uma vez que este modo de pagamento pode simplificar transações: estas são instantâneas, escapam a possíveis constrangimentos de economias locais – não estando sujeitas a taxas de câmbio e outros custos bancários – e mantêm o valor em qualquer parte do mundo.
Inversamente e também no plano conceptual, existem desvantagens a considerar, tais como o enquadramento fiscal dos criptoativos em cada país e o risco de desvalorização do ativo recebido pelo trabalhador.
Independentemente das suas vantagens e desvantagens, a possibilidade de pagamento de salários em criptoativos necessita de ser analisada à luz dos institutos jurídicos em vigor em cada ordenamento.
Concretizando: os criptoativos são representações digitais de valores ou de direitos que são armazenadas e transacionadas numa rede de blockchain ou através de outra tecnologia DLT (distributed ledger technology). Esses ativos podem assumir várias formas, sendo a Bitcoin uma das mais conhecidas. Ao contrário do que sucede com as moedas fiat, não existe uma autoridade central que verifique e autorize o armazenamento e as transações de criptoativos, sendo utilizada uma tecnologia de pagamentos peer-to-peer, que dispensa qualquer tipo de intermediário, o que permite uma agilização dos procedimentos e uma poupança nas taxas e comissões habitualmente cobradas pelos intermediários tradicionais, um dos key points da blockchain. Para além da sua finalidade como meio de troca, os criptoativos funcionam como um produto de investimento financeiro a médio/longo prazo.
Sucede, contudo, que o quadro jurídico não tem acompanhado este ritmo acelerado. Apesar da aprovação do Regulamento MiCA, ainda se verifica uma regulamentação escassa nesta matéria, o que se reflete em vários domínios, incluindo as relações laborais. Uma vez que os criptoativos não têm curso legal, não podem ser impostos como meio de pagamento, pelo que, não podem ser (pelo menos de momento), considerados dinheiro.
No domínio das relações laborais, a Autoridade para as Condições do Trabalho já teve oportunidade de se pronunciar sobre esta matéria perante um meio de comunicação social, tendo sustentado que “o sistema de circulação monetária não aceita depósitos, pagamentos e transações que se encontrem sustentados em moedas não oficiais, ou seja, que não tenham curso legal”, pelo que, nos termos da lei, a retribuição deveria ser satisfeita em dinheiro ou em prestações não pecuniárias dentro dos limites legalmente impostos.
Mas serão os criptoativos retribuição em espécie? Em rigor, a natureza patrimonial da retribuição não obsta a que esta seja integrada por valores não pecuniários, sendo, contudo, necessário que estes sejam passíveis de avaliação em dinheiro e que a proporção da parcela da retribuição a ser satisfeita em espécie – cujo valor se encontra limitado ao corrente na região – não exceda 50% da retribuição na sua totalidade. Entre outros aspetos, e atenta a elevada oscilação do valor dos criptoativos, não se alcança como poderiam os criptoativos cumprir com esta última exigência.
Afastando-se então a ideia de pagar a retribuição (ou parte dela) em criptoativos, suscita-se a questão de aquilatar a possibilidade de proceder ao pagamento de bónus ou prémios através dessa figura. Como se sabe, na pureza dos princípios, os prémios e bónus assumem um caráter de incentivo, que, tendencialmente, não é garantido, nem regular, pelo que não são, por isso, à partida, qualificados como retribuição.
Nesse sentido e contanto que não se verifiquem circunstâncias que impliquem a qualificação enquanto retribuição, não se vislumbram fundamentos que obstem ao pagamento de bónus e prémios sobre a forma de criptoativos.
Muito embora, no contexto atual, ainda não seja viável realizar o pagamento da retribuição em criptoativos em Portugal, poderá, no entanto, fazer sentido, para algumas empresas, e após ponderação das implicações fiscais associadas, avaliarem a utilização de criptoativos no pagamento de prémios e bónus aos seus trabalhadores, o que poderá comportar também vantagens ponderosas para todas partes envolvidas.