A colusão algorítmica apresenta vários desafios no setor do retalho (online). Serão os algoritmos de monitorização e de definição de preços compatíveis com o direito da concorrência ou terão de frequentar a faculdade de Direito?

 

Tal como em quase todos os domínios da sociedade, o direito da concorrência não é imune aos desafios colocados pela economia digital. A ascensão de poderosas plataformas digitais (por exemplo, Alphabet, Apple, Amazon, ByteDance, Meta e Microsoft) e a utilização cada vez mais generalizada de algoritmos de monitorização e de definição de preços testaram as fronteiras tradicionais do direito da concorrência e obrigaram as autoridades de concorrência a pensar para além dos modelos tradicionais e a adaptar-se perante estes desafios.

Mas o que são algoritmos de preços e por que são tão relevantes do ponto de vista do direito da concorrência?

Em traços gerais, um algoritmo é uma sequência precisa e inequívoca de operações simples que transformam um input num output. Os algoritmos podem ser classificados por referência à função específica que desempenham (alocação, pesquisa, recomendação, monitorização e definição de preços). Essencialmente, os algoritmos de definição de preços fixam, ou recomendam, os preços com base em dados sobre as características observáveis dos clientes ou das condições de mercado, ao passo que os algoritmos de monitorização analisam as condições de mercado por forma a monitorizarem o comportamento e as decisões estratégicas dos seus concorrentes, nomeadamente os preços praticados por estes (por exemplo, a Wiser Solutions).

A utilização de algoritmos não é, em si mesma, problemática. De facto, a utilização de algoritmos de preços pode ser pró-concorrencial e gerar diversas eficiências, na medida em que pode contribuir para a criação de novos e melhores produtos, reduzir substancialmente os custos de produção, diminuir os custos de pesquisa e alcançar um melhor equilíbrio entre a oferta e a procura.

Todavia, o crescente número de decisões comerciais (em particular, decisões de definição de preços) que são delegadas em algoritmos podem suscitar sérias preocupações do ponto de vista do direito da concorrência. Vários estudos sugerem que a utilização de algoritmos de autoaprendizagem (nomeadamente, algoritmos de aprendizagem por reforço) para monitorizar e definir os preços aumenta substancialmente a probabilidade de colusão. Em especial, estes algoritmos são capazes de, autonomamente, aprender a alcançar resultados de colusão sem serem instruídos ou programados para o efeito e na ausência de indicação explícita nesse sentido (colusão algorítmica autónoma).

De facto, como sublinhou a Comissária da União Europeia (UE) para a Concorrência, Margrethe Vestager, “it is a hypothesis that not all algorithms will have been to law school. So maybe there is a few out there who may get the idea that they should collude with another algorithm who haven’t been to law school either”.

Ora, cientes desta natureza dupla dos algoritmos, a Comissão Europeia (CE) e as autoridades nacionais de concorrência realizaram diversos estudos de mercado com o intuito de compreender a prevalência dos algoritmos de definição e monitorização de preços no mercado interno, bem como publicaram vários estudos que abordam a relação entre os algoritmos e o direito da concorrência. Alguns exemplos a destacar incluem o Reino Unido (Competition and Markets Authority, 2021), os Países Baixos (Authority for Consumers and Markets, 2020) e um estudo conjunto da França e da Alemanha (Autorité de la concurrence & Bundeskartellamt, 2019).

Os algoritmos têm vindo a ser cada vez mais utilizados em Portugal em vários setores da economia. De facto, a pandemia da COVID-19 foi um importante catalisador da digitalização da economia nacional, sendo provável que a utilização de algoritmos tenha aumentado desde então. 

Nestes termos, a Autoridade da Concorrência (AdC) publicou dois estudos sobre a utilização de algoritmos de monitorização e definição de preços em Portugal. Em 2019, a AdC publicou o seu Ecossistemas digitais, Big Data e Algoritmos Issues Paper(Issues Paper), que abordou os principais desafios colocados pela transição digital de um ponto de vista de política de concorrência. Neste documento, a AdC sublinhou que as empresas são responsáveis pelos algoritmos que utilizam e que a utilização de algoritmos como estratégia consciente e deliberada para a fixação de preços é incompatível com o direito da concorrência a nível nacional e europeu. Na mesma linha, a UE reforçou que as empresas não podem eximir-se da sua responsabilidade por práticas ilícitas de fixação de preços alegando que os preços foram determinados por algoritmos (Nota à OCDE sobre algoritmos e colusão).

Na sequência da adoção do seu Issues Paper, a AdC criou uma Task Force para o setor digital, dedicada à investigação de denúncias e à deteção de potenciais comportamentos anticoncorrenciais nos mercados digitais, assim como incluiu nas suas prioridades de política de concorrência a investigação de colusão e abusos nos mercados digitais. De facto, a Task Force digital da AdC tem vindo a investigar ativamente denúncias e indícios de comportamentos anticoncorrenciais nos mercados digitais. Por exemplo, em maio de 2022, a AdC abriu uma investigação relativa a um alegado abuso de posição dominante da Google no mercado da publicidade online, em Portugal. Posteriormente, este processo passou a ser conduzida pela CE no contexto de uma investigação em curso ao nível da União Europeia.

Além disso, em 2022, a AdC emitiu a sua nota de acompanhamento em matéria de Defesa da Concorrência no Setor Digital em Portugal, que disponibiliza uma atualização da política para os mercados digitais, bem como uma breve análise geral das recentes iniciativas da AdC para aplicação da lei. De acordo com o inquérito realizado pela AdC no setor do retalho online de produtos eletrónicos e eletrodomésticos, 21% das empresas inquiridas reconheceram utilizar algoritmos de monitorização de preços e apenas 12% confirmaram utilizar algoritmos de definição de preços para alguns dos seus produtos. Também, alguns intervenientes (por exemplo, a ANACOM) sublinharam que esperam que a utilização de algoritmos de definição de preços aumente no futuro.

A AdC deu a entender que prestará especial atenção aos casos em que empresas concorrentes utilizam algoritmos ou bases de dados comuns para coordenarem as suas estratégias de definição de preços (cenários hub-and-spoke). Para além dos desafios colocados pela colusão algorítmica autónoma e por cenários de típicos de hub-and-spoke, os algoritmos de monitorização de preços podem desempenhar um papel instrumental na implementação de acordos anticoncorrenciais já existentes. Por exemplo, a CE aplicou uma coima a quatro fabricantes de produtos eletrónicos (Asus, Denon & Marantz, Philips e Pioneer) por alegadamente terem fixado preços mínimos de revenda aos seus retalhistas online. Segundo a Comissão, os fabricantes utilizaram instrumentos sofisticados de monitorização para controlarem os preços de revenda nas suas redes de distribuição, o que lhes permitiu intervir rapidamente nos casos de alteração de preços.

Em suma, as empresas devem estar conscientes dos vários desafios que a definição algorítmica de preços suscita do ponto de vista do direito da concorrência. Por um lado, os algoritmos de definição de preços podem criar ganhos de eficiência consideráveis e, por conseguinte, ser pró-concorrenciais. Por outro lado, a utilização de algoritmos de monitorização e de definição de preços pode constituir uma infração às regras da concorrência e resultar na aplicação de coimas elevadas. Por fim, importa salientar que as autoridades nacionais de concorrência (incluindo a AdC), bem como a CE, estão a acompanhar de perto a utilização de algoritmos de monitorização e de definição de preços no setor do retalho. Assim, as empresas não devem descartar uma análise casuística da utilização de algoritmos aquando do desenvolvimento e da implementação de algoritmos nas suas estratégias comerciais e de definição de preços.

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