Este texto visa destacar algumas das principais regras em matéria contraordenacional constantes da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, tal como previsto, em especial, nos seus artigos 178.º e ss., bem como do Regime Quadro das Contraordenações do Setor das Comunicações (“Regime Quadro”), aprovado pela Lei n.º 99/2009, de 4 de setembro.

 

Qual o regime sancionatório aplicável às comunicações eletrónicas?

A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas mantém a previsão de um conjunto de ilícitos contraordenacionais, qualificados em três níveis de gravidade (leves, graves e muito graves), puníveis consoante a respetiva gravidade e a dimensão do agente.

Ao processo relativo a estes ilícitos aplica-se o Regime Quadro, que também sofreu alterações com a aprovação da Lei n.º 16/2002, de 16 de agosto.

 

Que alterações veio introduzir a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas no elenco das contraordenações existentes?

O quadro sancionatório aplicável à não observância das obrigações impostas aos operadores não sofreu particulares alterações com a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, nomeadamente no que respeita à classificação das contraordenações em função da sua gravidade.

As maiores alterações prendem-se com infrações que, por força da revisão da Lei, deixaram de ter objeto (como sejam, a título meramente exemplificativo, as obrigações do prestador de serviço universal de postos públicos ou listas telefónicas), pelo que, consequentemente, a sua violação deixou de ser prevista como um ilícito contraordenacional. Por outro lado, as novas obrigações resultantes da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas foram, naturalmente, associadas a um tipo contraordenacional.

 

Quais os montantes das coimas aplicáveis em caso de infração?

Não houve alteração dos montantes com a adoção da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas em relação ao regime em vigor na lei anterior. As coimas variam em funções do nível de gravidade do ilícito e da dimensão do agente (pessoa singular, micro, pequena, média ou grande empresa).

Assim, dependendo da gravidade do ilícito, os montantes das coimas podem variar, para grandes empresas, entre € 2.000 e € 100.000 (infrações leves), entre € 10.000 a € 1.000.000 (infrações graves) e entre € 20.000 e € 5.000.000 (infrações muito graves).

 

Quais são os critérios para definir a dimensão das empresas?

A Lei n.º 16/2002, de 16 de agosto, além de aprovar a Nova Lei das Comunicações, também alterou o Regime Quadro. Nesse âmbito, definiram-se novas regras para a classificação da dimensão das empresas (artigo 7.º/6/a) do Regime Quadro):

a)    Microempresa – a que (i) tenha menos de 10 trabalhadores, (ii) um volume de negócios anual ou um balanço total anual que não exceda 2M€, e em que (iii) o capital social ou os seus direitos de voto não sejam detidos, direta ou indiretamente, por uma ou um conjunto de empresas de qualquer uma das outras categorias.

b)    Pequena empresa - a que tenha (i) menos de 50 trabalhadores, e (ii) um volume de negócios anual ou um balanço total anual que não exceda 10 milhões de euros. Também as microempresas que tenham 20 % ou mais do seu capital social ou dos seus direitos de voto detidos, direta ou indiretamente, por uma pequena empresa ou conjunto de pequenas empresas;

c)    Média empresa - a que tenha (i) menos de 250 trabalhadores, e (ii) um volume de negócios anual que não exceda 50 milhões de euros ou um balanço total anual que não exceda 43 milhões de euros. São também incluídas nesta categoria as que podendo não preencher estes requisitos tenham 20 % ou mais do seu capital social ou dos seus direitos de voto detidos, direta ou indiretamente, por uma média empresa ou conjunto de médias empresas;

d)    Grande empresa - a que (i) tenha mais de 250 trabalhadores, e (ii) um volume de negócios anual que exceda 50 milhões de euros ou um balanço total anual que exceda 43 milhões de euros. Também as que, cumprindo os requisitos económicos e o número médio de trabalhadores previstos para as micro, pequenas e médias empresas, tenham 20 % ou mais do seu capital social ou dos seus direitos de voto detidos, direta ou indiretamente, por uma grande empresa ou conjunto de grandes empresas.

As informações são apuradas com base nos dados económicos do ano anterior ao da acusação, sem prejuízo de se poder contestar, fundamentadamente, a classificação atribuída, mediante apresentação de novos elementos de facto.

Caso a ANACOM não consiga determinar a dimensão da empresa, aplicar-se-á a moldura contraordenacional prevista para as médias empresas, sem prejuízo de ser possível fazer prova posterior da verdadeira da dimensão da empresa (artigo 7.º/10 do Regime Quadro).

 

Podem ser aplicadas outras sanções, além das coimas?

Sem alterações face ao regime anterior, a Nova Lei das Comunicações Eletrónicas prevê ainda que podem ser aplicadas certas sanções acessórias para determinados tipos de ilícito (artigo 179.º da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas). Essas sanções acessórias podem variar entre:

(i)    perda de objetos a favor do Estado;

(ii)   interdição do exercício da atividade até 2 anos; e

(iii)  privação do direito de participar em procedimentos de seleção concorrencial ou por comparação, até dois anos.

 

Podem os administradores e os diretores ser responsabilizados por contraordenações praticadas por pessoas coletivas?

Qualquer pessoa singular pode responder pelas contraordenações previstas na Nova Lei das Comunicações Eletrónicas, desde que tenha tomado parte na execução da infração, caso em que lhe será aplicável a coima legalmente prevista para as pessoas singulares. Esta possibilidade constava já da anterior Lei das Comunicações Eletrónicas e assenta na circunstância de as pessoas singulares poderem exercer, desde que devidamente autorizadas, a atividade de fornecedor de redes e prestador de serviços de comunicações eletrónicas.

Questão distinta, e nova, é a possível responsabilização de titulares dos órgãos e cargos de administração ou direção, bem como os responsáveis pela direção ou fiscalização de áreas de atividade das pessoas coletivas em que seja praticada alguma contraordenação, quando estes tenham conhecimento (ou devessem conhecer) da prática ilícita e não tenham adotado medidas adequadas para a evitar ou lhe pôr termo (artigo 3.º/4 do Regime Quadro). Este é, de resto, um dos aspetos mais marcantes, em matéria contraordenacional, introduzidos pelo novo regime.

É, assim, introduzida uma norma que permite ao legislador prever, em qualquer diploma que contenha um elenco de contraordenações no setor das comunicações, a possibilidade de aplicar também aos titulares dos órgãos e cargos de administração ou direção, bem como aos responsáveis pela direção ou fiscalização das áreas de atividade da pessoa coletiva em que seja praticada alguma contraordenação a coima prevista para a pessoa coletiva pela violação (por omissão) dos seus deveres funcionais, ainda que não tenham tomado parte direta na execução da infração.

 

Esse regime já é aplicável ao elenco das contraordenações previstas na Nova Lei das Comunicações Eletrónicas?

Apesar da introdução da norma habilitadora no Regime Quadro e de, aquando dos trabalhos preparatórios do novo regime, se ter discutido essa possibilidade, o legislador não chegou a determinar quais as contraordenações da Nova Lei das Comunicações Eletrónicas pelas quais os titulares dos órgãos e cargos de administração ou direção, bem como os responsáveis pela direção ou fiscalização das áreas de atividade da pessoa coletiva em que seja praticada alguma contraordenação podem ser responsabilizados nestes termos.

Assim, será necessária uma alteração à Nova Lei das Comunicações Eletrónicas para passar a prever quais as contraordenações que podem gerar responsabilidade para titulares dos órgãos e cargos de administração ou direção, bem como para os responsáveis pelas áreas de direção ou fiscalização.

 

Todas as contraordenações seguem o mesmo tipo de processo?

Tipicamente, a ANACOM instaura um processo de contraordenação comum, emitindo uma acusação, notificada ao arguido para poder apresentar a sua resposta escrita e requerer diligências de prova adicionais previamente à adoção de uma decisão final pelo Regulador.

Com as alterações introduzidas no Regime Quadro, o legislador facilitou o recurso a outras formas de processo, em casos de maior simplicidade e menor gravidade, visando a conclusão mais célere do processo.

É introduzida a possibilidade de recurso ao processo de advertência (artigo 15.º do Regime Quadro) independentemente da gravidade do ilícito em causa (e não apenas nas infrações leves), desde que a contraordenação consista em irregularidade sanável e da qual não tenha resultado lesão significativa, sendo clarificado que a decisão final não constitui uma decisão condenatória.

É também revogada a restrição de recurso ao processo sumaríssimo (artigo 21.º do Regime Quadro) nas contraordenações leves ou grave, dando margem à ANACOM para avaliar em concreto a gravidade e a ilicitude concreta da infração ou a intensidade da culpa, e decidir optar pelo recurso a este tipo de processo.

 

Em que circunstâncias é admissível o pagamento voluntário da coima?

As alterações ao artigo 23.º/1 do Regime Quadro restringem as situações em que é admissível o pagamento voluntário da coima às infrações leves e às infrações graves praticadas com negligência (anteriormente abrangia infrações leves, graves e também muito graves praticadas com negligência).

O pagamento voluntário determina o arquivamento do processo, mas conta como decisão condenatória, para efeitos de verificação dos pressupostos da reincidência.

 

Como são feitas as notificações no âmbito do processo contraordenacional?

As alterações ao Regime Quadro evidenciam uma intenção de desmaterialização do processo contraordenacional, através do alargamento das formas de notificações, prevendo-se de forma inovadora a possibilidade de notificação através (i) do Serviço Público de Notificações Eletrónicas (SPNE) ou de serviço eletrónico a disponibilizar pela ANACOM e (ii) de correio eletrónico, para além das tradicionais formas de notificação.

A notificação através de correio eletrónico só é válida com o consentimento expresso do notificado, considerando-se como consentimento expresso a utilização no âmbito do processo em causa, de correio eletrónico, seja pelo próprio notificando, seja pelo mandatário, como forma de contactar a ANACOM.

 

Existe a possibilidade de recurso de decisões da ANACOM?

As alterações ao Regime Quadro clarificam que as decisões, os despachos e outras medidas adotadas pela ANACOM no âmbito de um processo contraordenacional (e não apenas as decisões que apliquem uma coima) são impugnáveis para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (artigo 32.º/3 do Regime Quadro).

O recurso apenas tem efeito suspensivo quanto a decisões que determinem aplicação de coimas ou sanções acessórias ou que respeitem a matéria de segredo de justiça (artigo 32.º/4 do Regime Quadro).

 

Pode a ANACOM recorrer de decisões e despachos proferidos pelo tribunal?

Em virtude das alterações legislativas, a ANACOM passa a poder recorrer de sentenças e despachos proferidos pelo tribunal, inclusive por questões de nulidades e outras questões prévias ou incidentais ou aplicação de medidas cautelares (artigo 32.º/8 do Regime Quadro).

 

Key Takeaways

A Nova Lei das Comunicações Eletrónicas não introduz alterações significativas no regime sancionatório preexistente.

Continua a constituir contraordenação a violação dos deveres previstos na Nova Lei das Comunicações Eletrónicas sendo essa violação graduada, tal como a correspondente sanção, consoante a gravidade da contraordenação e a dimensão do infrator. São, no entanto, alterados os critérios relevantes na classificação de empresas.

É introduzida uma norma no Regime Quadro que prevê a possibilidade de ser criado, em regimes específicos, um tipo de contraordenação referente à violação dos deveres de supervisão por parte dos titulares dos órgãos e cargos de administração ou direção, bem como dos responsáveis pela direção ou fiscalização das áreas de atividade da pessoa coletiva em que seja praticada alguma contraordenação. Assim, caso tais entidades, tendo conhecimento de uma infração, não a evitem ou lhe ponham termo, poderá vir a ser-lhes aplicável a mesma coima em que incorra a pessoa coletiva a quem é imputada a infração, mas especialmente atenuada. Não foi, no entanto, criado, por enquanto, tal tipo de ilícito na Nova Lei de Comunicações Eletrónicas.

Quanto às formas de processo, é agora dada maior liberdade à ANACOM para aplicação de formas de processo especiais que promovam a celeridade, mas é restringida a possibilidade de pagamento voluntário da coima às infrações leves e graves praticadas com negligência.