No passado dia 26 de maio entrou em vigor a Lei n.º 21/2023, de 25 de maio, que altera, entre outros, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e o Estatuto dos Benefícios Fiscais, introduzindo um novo regime de tributação aplicável aos planos de atribuição de ações (“stock options”) constituídos por empresas que, nos termos da referida lei, qualifiquem como startup, scaleup, micro, pequena, média empresa ou empresa de pequena-média capitalização ou, ainda, desenvolvam a sua atividade no âmbito da inovação.

Pretendeu-se, deste modo, dar resposta às muito antigas preocupações de trabalhadores e empresas,principalmentedo ecossistema startup, mas também do tecido empresarial mais tradicional, embora, neste último caso, com menor expressão, face às características mais estanques da respetiva estrutura acionista, usualmente menos predisposta a aberturas de capital.

Sendo claro que uma das principais finalidades do novo regime é a de apoiar o ecossistema startup na captação e retenção de talento, e sabendo-se que este tipo de empresas, pelas suas características muito especificas, têm a necessidade de oferecer, nomeadamente nas suas fases mais embrionárias, packs remuneratórios que incluem stock options, como forma de atraírem trabalhadores qualificados, o presente diploma vem, finalmente, tentar colocar o regime português a par de outros regimes europeus e simplificar o excessivamente oneroso, complexo e obsoleto enquadramento fiscal existente até aqui, começando desde logo por clarificar quais as entidades aptas a serem qualificadas como startup e scaleup, bem comoo respetivo procedimento de reconhecimento de tal estatuto.

De forma sucinta, diríamos que são duas as mais relevantes alterações ao regime de tributação: a taxa de IRS aplicável ao trabalhador e o momento em que a tributação deverá ocorrer. No que diz respeito à taxa, aplaude-se a opção do legislador pela sujeição deste rendimento à taxa especial de 28%, sem prejuízo da opção pelo englobamento e respetiva sujeição às taxas gerais e progressivas. Não menos relevante afigura-se o facto de apenas metade do ganho ser considerado para efeitos de aplicação da referida taxa de 28%, o que resulta, em termos práticos, numa bastante atrativa taxa de tributação efetiva de 14%.

Relativamente ao momento da tributação, regista-se a preocupação do legislador português em tentar aproximá-lo do momento em que ocorre o ganho efetivo, à semelhança da tendência legislativa europeia neste tipo de regimes, e ao invés do regime anterior, no qual o sujeito passivo era, desde logo, tributado no momento em que exercia a opção, antes da realização de qualquer ganho. Assim, o legislador optou por tributar o rendimento no primeiro dos seguintes momentos:

  • Quando o trabalhador vender os valores mobiliários ou direitos equiparados adquiridos por via do exercício da opção, sendo o ganho apurado pela diferença positiva entre o valor de realização e o preço de exercício da opção ou direito, acrescido do que haja sido pago para aquisição dessa opção ou direito;
  • No momento em que o trabalhador deixe de ser residente em território português, sendo o ganho apurado pela diferença positiva entre o valor de mercado e o preço de exercício da opção ou direito, acrescido do que haja sido pago para aquisição dessa opção ou direito; ou
  • Caso ocorra uma transmissão gratuita dos valores mobiliários ou direitos equiparados adquiridos por via do exercício ou subscrição da opção, ou do direito de efeito equivalente, sendo o ganho apurado pela diferença positiva entre o valor resultante da aplicação das regras atualmente previstas no Código do IRS para as aquisições a título gratuito e o preço do exercício ou subscrição, acrescido do que eventualmente haja sido pago para a aquisição dessa opção ou direito.

Se, quanto à taxa de tributação, o regime não nos oferece questões de maior, a inovadora regra de exit tax adotada pelo legislador quanto à possibilidade de fazer depender a tributação da qualidade de residente em Portugal afigura-se bastante duvidosa no que diz respeito à sua conformidade com os princípios basilares – quase sempre (bem) salvaguardados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, com reflexo nas decisões dos tribunais nacionais – da não discriminação, em matéria tributária, em função da residência, bem como da livre circulação de pessoas e bens entre Estados-membros, antecipando-se a existência de contencioso associado a trabalhadores que venham a ser afetados por esta norma. Esta é, de facto, uma situação cuja motivação do legislador se afigura difícil de percecionar, inclusivamente depois de ter sido alertado para tal, em sede de audição na Assembleia da República, no âmbito da apreciação, na especialidade, da então proposta que veio a dar origem à presente lei. É, também, pouco compreensível que tal ocorra num momento em que diversos países europeus tentam atrair os denominados digital nomads, sendo estes, não raras vezes, trabalhadores ou fundadores de startups.

Por outro lado, aponta-se, também, como nota de melhoria o facto de se encontrarem excluídos do regime os sujeitos passivos que detenham direta ou indiretamente uma participação não inferior a 20% do capital social ou dos direitos de voto da entidade atribuidora do plano, bem como os respetivos membros de órgãos sociais, o que acaba por se relevar como um dos aspetos menos atrativos deste diploma. Relativamente à exclusão dos membros de órgãos sociais, ressalvam-se, contudo, os casos em que, no ano anterior à aprovação do plano, a entidade atribuidora se qualifica como startup ou como micro ou pequena empresa – encontrando-se aqui estranhamente excluídas as médias empresas.

Duas notas finais para assinalar a mais do que previsível necessidade de posterior clarificação, por parte do legislador, quanto à forma como o novo regime poderá ser aplicado no primeiro ano de vida de uma empresa e, por outro lado, destacar, como positivo, o facto de o regime ser aplicável retroativamente, no caso de startups, a planos aprovados até 31 de dezembro de 2022.

Em suma, se é certo que o novo regime fiscal aplicável às stock options representa uma evolução bastante positiva face ao quadro legal anterior – o qual, importa notar, mantém-se em vigor para todas as entidades que não se encontrem abrangidas pela Lei n.º 21/2023, de 25 de maio –, não se poderá deixar de assinalar a necessidade de diversas melhorias, idealmente para breve e em prejuízo da tão aclamada estabilidade legislativa, por forma a que Portugal possa definitivamente posicionar-se como um país atrativo para profissionais qualificados.