A evolução e a dinâmica do setor imobiliário reclamam um esforço de modernização da legislação aplicável no sentido de evitar situações de risco e incerteza.

 

Os regimes legais aplicáveis ao setor imobiliário continuam desarticulados das exigências dos nossos dias, provocando situações de risco e de incerteza que poderiam ser evitadas. Continua a ser difícil de justificar, a título de exemplo, a ausência de um documento digital único para cada imóvel, que concentre, de forma completa, sistemática e unívoca, a respetiva informação (titularidade, ónus, área, limites, etc.), ao invés do atual sistema, onde o mesmo imóvel se encontra registado perante a Conservatória do Registo Predial e perante a Autoridade Tributária – com informação incompleta e muitas vezes dissonante entre si.

Felizmente, vimos assistindo a um esforço de modernização da parte do legislador, introduzindo ou acentuando a importância da tecnologia e da digitalização. Vale a pena olhar para três exemplos.

a)      Atos autênticos à distância

Em resposta aos desafios trazidos pela pandemia causada pela doença COVID-19, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 126/2021, de 30 de dezembro, que estabeleceu um regime jurídico, com caráter temporário e facultativo, que permite a realização, por videoconferência, de atos autênticos, termos de autenticação de documentos particulares e reconhecimentos que requeiram a presença dos intervenientes. Pretende-se, assim, que os cidadãos possam realizar aqueles atos de forma mais simples e eficiente, sem terem necessidade de se deslocar.

Para este efeito, o Ministério da Justiça disponibiliza uma plataforma informática de atendimento à distância para realização daqueles atos, disponível no Portal da Justiça, através da qual é facultado o acesso a sessões de videoconferência. Os intervenientes precisam apenas do cartão de cidadão ou da chave móvel digital para se autenticarem na plataforma, sendo ainda necessário, para a realização de atos autênticos que requeiram assinatura, terem assinatura digital ativa.

Este regime é particularmente relevante para o setor imobiliário, na medida em que permite, por exemplo, a outorga de escrituras públicas à distância para compra e venda de imóveis, promovendo assim uma maior eficiência e celeridade na conclusão de transações imobiliárias.

b)      Balcão Único do Prédio

O Balcão Único do Prédio (BUPi) é um balcão físico e virtual, criado pela Lei n.º 78/2017, de 17 de agosto, que agrega a informação registral, matricial e georreferenciada de prédios mistos e rústicos em Portugal.

O BUPi tem como objetivo a identificação detalhada de terrenos localizados em municípios que não dispõem de cadastro predial.

Para proceder à identificação e registo online dos terrenos, os respetivos proprietários necessitam apenas de (i) se autenticar através do cartão de cidadão ou chave móvel digital; (ii) localizar as suas propriedades, identificando os respetivos limites; (iii) assinar um termo de responsabilidade; e (iv) submeter o processo para avaliação e validação por parte de um técnico que verificará a conformidade da informação. A identificação e o registo de um terreno poderão ainda ser realizados num dos balcões físicos do BUPi nos municípios aderentes, com o apoio de um técnico habilitado.

O BUPi é especialmente relevante na medida em que, por via da georreferenciação detalhada de terrenos, permite evitar os habituais conflitos decorrentes da alegada sobreposição de terrenos. Para esse efeito, o BUPi introduz mecanismos de resolução deste tipo de conflitos, como, por exemplo, a consulta pública para identificação de estremas.

c)   Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos

Foi recentemente aprovada a Proposta de Lei n.º 77/XV, que autoriza o Governo a proceder à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo e ordenamento do território. Trata-se de uma mera autorização legislativa, que carece, ainda, da respetiva concretização.

A Proposta de Lei n.º 77/XV prevê a criação de uma Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos. Esta plataforma, que será de implementação obrigatória até 5 de janeiro de 2026, visa uniformizar procedimentos de licenciamento nos vários municípios do país e concentrar numa mesma plataforma a informação respeitante a cada processo. Assim, esta plataforma permitirá apresentar pedidos online, consultar o estado dos processos e prazos, receber notificações eletrónicas e obter certidões de isenção de procedimentos urbanísticos. Entre outras funcionalidades, permitirá a futura submissão de pedidos em formato Building Information Modelling (BIM).

Sendo conhecidas as muitas dificuldades com que os promotores imobiliários e, no geral, os particulares se deparam nos processos de licenciamento (morosidade, discrepância de procedimentos entre municípios, dificuldade de interação, etc.), a introdução de uma plataforma como esta será seguramente uma mais-valia.

A evolução do setor imobiliário continuará a trazer exigências e desafios legais cada vez mais complexos (basta pensar em fenómenos como inteligência artificial, blockchain e realidade virtual), sendo fundamental que o legislador aposte mais neste esforço de modernização com vista a reforçar a segurança e a confiança de todos os intervenientes neste mercado.

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