Concorrência & UE

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Comissão Europeia sanciona Delivery Hero e Glovo: Primeira decisão da CE a condenar um acordo de no-poach e a salientar os riscos jusconcorrenciais de participações minoritárias em concorrentes
agosto de 2025
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No dia 2 de junho de 2025, a Comissão Europeia (“CE” ou “Comissão”) adotou uma decisão histórica, aplicando coimas que ascendem a um total de 329 milhões de euros à Delivery Hero e à Glovo, por partilha de informação comercialmente sensível e coordenação anticoncorrencial, incluindo a implementação de um acordo de no-poach e de repartição de mercado, facilitados pela participação minoritária da Delivery Hero na Glovo.

Esta é a primeira vez que a CE sanciona especificamente um acordo de no-poach — ou uma conduta anticoncorrencial no contexto dos mercados laborais. Trata-se igualmente do primeiro caso em que a Comissão aplica uma sanção a um cartel cuja facilitação decorreu da aquisição de uma participação minoritária num concorrente.

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agosto de 2025
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Enquadramento Factual

A Delivery Hero e a Glovo são duas das principais empresas de entrega de refeições na Europa.

Em 17 de julho de 2018, a Delivery Hero adquiriu uma participação minoritária de 15% na Glovo, reforçando posteriormente essa posição através de sucessivas rondas de investimento realizadas entre 2018 e 2022, sem, contudo, alcançar uma posição de controlo. Por fim, em 22 de julho de 2022, a Delivery Hero adquiriu o controlo exclusivo da Glovo, que passou a integrar o grupo Delivery Hero na sequência da decisão de não oposição proferida no âmbito do controlo de concentrações, em 1 de março de 2022.

Segundo a decisão da CE, a posição minoritária da Delivery Hero na Glovo, e a relação acionista daí resultante, proporcionou uma plataforma para a coordenação de comportamentos entre as empresas, que se materializou no seguinte:

i)  Partilha de informações comercialmente sensíveis: A representação da Delivery Hero no conselho de administração da Glovo permitiu o acesso a documentos e informações estratégicas da Glovo, que foram partilhadas com quadros da Delivery Hero — incluindo preços atuais e futuros, capacidades de produção, estratégias comerciais, previsões de procura e vendas, e estruturas de custos.

ii)  Acordo de no-poach: O acordo de acionistas celebrado em 2018 previa cláusulas recíprocas de não contratação de funcionários-chave. A CE concluiu que este acordo evoluiu posteriormente para uma proibição geral de contratação de funcionários, embora a contratação fosse permitida se um funcionário procurasse ativamente emprego na outra empresa.

iii)  Repartição de mercado: Entre novembro de 2018 e dezembro de 2019, a Delivery Hero utilizou a sua posição de acionista minoritária para influenciar a presença geográfica da Glovo no Espaço Económico Europeu (“EEE”). A partir de janeiro de 2020, ambas as empresas adotaram uma estratégia coordenada para evitar entrar em Estados-Membros do EEE onde a outra já estivesse presente. Também coordenaram estratégias de entrada no mercado para países do EEE onde nenhuma das duas se encontrava ativa, acordando qual das empresas entraria em cada mercado. Em maio de 2021, eliminaram as restantes sobreposições geográficas, com a Delivery Hero a vender à Glovo as suas operações na Bulgária, Croácia e Roménia.

A Comissão considerou que estas práticas configuravam uma infração única e continuada ao abrigo do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) e do artigo 53.º do Acordo EEE.

PRIMEIRA CONCLUSÃO: Participações minoritárias em concorrentes podem facilitar a partilha de informações comercialmente sensíveis

O comunicado de imprensa da CE esclarece que a mera detenção de uma participação minoritária num concorrente não é, por si só, ilícita. Contudo, a decisão sublinha que tais participações acionistas comportam riscos jusconcorrenciais relevantes.

Quando uma empresa detém apenas uma participação minoritária (i.e., que não confere controlo num concorrente), as duas entidades não são consideradas partes integrantes da mesma unidade económica para efeitos do direito da concorrência. Assim, qualquer troca de informações comercialmente sensíveis ou coordenação de estratégias comerciais entre ambas pode ser abrangida pela proibição do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE.

No caso em apreço, a Comissão considerou que a partilha de informações comercialmente sensíveis entre a Delivery Hero e a Glovo não se encontrava justificada pela necessidade de proteção do investimento da Delivery Hero. De acordo com a Comissão, a salvaguarda dos interesses financeiros da Delivery Hero poderia ter sido assegurada exclusivamente através da sua representação no conselho de administração da Glovo, não se justificando, por conseguinte, a partilha de informações comercialmente sensíveis obtidas nesse âmbito para outros colaboradores da Delivery Hero.

Em suma, embora a detenção de participações minoritárias em concorrentes represente uma forma legítima de investimento, é fundamental que as empresas adotem salvaguardas eficazes para evitar que tais participações sejam instrumentalizadas como veículo para práticas de conluio. A implementação de medidas robustas de compliance revela-se, assim, essencial para prevenir a partilha indevida de informações comercialmente sensíveis ou a coordenação de comportamentos estratégicos entre concorrentes.

Segunda Conclusão: Para a CE, os acordos de no-poach podem constituir uma restrição da concorrência por objeto

Nesta decisão a CE sanciona pela primeira vez um acordo de não contratação (“no-poach”).
Esta atuação está em linha com o Policy Brief on Antitrust and Labour Markets da Comissão Europeia, publicado em maio de 2024, que já havia sinalizado um reforço do enforcement relativamente a tais práticas.

A Comissão entendeu que os acordos de no-poach podem constituir uma restrição da concorrência por objeto. De acordo com a CE, as cláusulas de “não contratação” equivalem a uma forma de repartição de fontes de abastecimento, nos termos do artigo 101.º, n.º 1, alínea c), do TFUE e do artigo 53.º, n.º 1, alínea c), do Acordo EEE.

A Comissão esclareceu ainda que, dada a natureza minoritária da participação da Delivery Hero, as cláusulas de não contratação constantes dos acordos de acionistas não estavam sujeitas ao regime das restrições acessórias aplicáveis às concentrações. Não obstante, a CE avaliou se tais cláusulas poderiam ser objetivamente necessárias e proporcionais aos acordos de investimento tendo, contudo, concluindo que estas eram: (i) ilimitadas em duração e âmbito territorial; (ii) recíprocas, excedendo o necessário para proteger os interesses dos investidores; (iii) não se aplicavam uniformemente a todos os investidores.

Independentemente desta análise, a Comissão considerou que os acordos de no-poach podem ser analisados à luz do artigo 101.º, n.º 3, do TFUE, podendo beneficiar de isenção caso preencham os respetivos requisitos. No entanto, no caso concreto, a CE concluiu que tais condições não se encontravam reunidas.

Importa sublinhar que, embora a Comissão entenda que um acordo de no-poach pode constituir uma restrição da concorrência por objeto, o Tribunal de Justiça da União Europeia ainda não se pronunciou sobre esta matéria.

Adicionalmente, a decisão em apreço não se circunscreveu à existência de um acordo de no-poach, abrangendo igualmente a partilha de informações comercialmente sensíveis e a repartição de mercado. Neste contexto, a conjugação do acordo de no-poach com outras práticas, tradicionalmente consideradas como restritivas da concorrência (i.e., a repartição de mercado), pode ter sido determinante para a qualificação da conduta como uma restrição por objeto.

Até ao momento, não existem decisões públicas da Comissão que considerem que um acordo de no-poach isolado configura uma restrição da concorrência por objeto.

Principais Pontos a Reter

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