"Uma luz ao fundo do "túnel" das reclamações para a conferência"

Marco Caldeira, associado da área de Público, é coautor de um artigo para a Advocatus sobre um polémico Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de junho de 2012.

Marco Caldeira

Uma luz ao fundo do "túnel" das reclamações para a conferência

  
Nos últimos anos, sobretudo a partir de um (polémico) Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ("STA"), de Junho de 2012, assistiu-se a uma rejeição em massa de recursos interpostos de sentenças proferidas pelos Tribunais administrativos de primeira instância.

 

Em termos sucintos, estava em causa um novo entendimento (baseado numa norma processual nem sempre invocada e quase nunca aplicada) segundo o qual as sentenças proferidas, por juiz singular, em acções administrativas especiais a partir de determinado valor não seriam passíveis de recurso directo para os Tribunais superiores, mas apenas de reclamação para a conferência do Tribunal que proferira a decisão impugnada.

Uma vez que o STA não só impôs este entendimento como, além disso, decidiu que o mesmo seria aplicável aos próprios recursos interpostos antes da fixação da nova orientação, fácil era de antever o resultado que veio a verificar-se: o indeferimento sumário de centenas de recursos, alguns deles pendentes de decisão há vários anos.

O cenário agravou-se quando a jurisprudência ampliou o campo de aplicação desta tese, seja estendendo-a a processos para os quais a reclamação não estava, sequer, expressamente prevista (como o contencioso pré-contratual), seja dispensando a exigência de o Tribunal de primeira instância invocar, na sentença, a norma habilitante para a decisão por juiz singular, seja, por fim, rejeitando a convolação dos recursos em reclamações, nos casos - que, obviamente, constituíam a esmagadora maioria - em que o recurso havia sido interposto no prazo previsto para esse efeito e não no prazo da reclamação. Além disso, todas as tentativas de mutação jurisprudencial esbarraram, invariavelmente, na inflexibilidade do STA em admitir os sucessivos recursos de revista.

Era este - e é ainda, infelizmente - o (triste) panorama da jurisprudência nesta matéria: um cenário suficientemente chocante para o próprio legislador, no projecto de revisão do Código do Processo nos Tribunais Administrativos ("CPTA") actualmente em curso, se propor pôr termo a uma situação que, nas suas palavras, em nada dignifica a justiça administrativa.

No entanto, muito recentemente assistiu-se a um primeiro volte-face que, embora isolado, faz (re)nascer a esperança numa inflexão jurisprudencial. Com efeito, o Tribunal Constitucional, depois de já por duas vezes se ter pronunciando em sentido negativo, veio agora, em sede de fiscalização concreta, julgar a inconstitucionalidade da norma do artigo 27.º do CPTA, tal como tem sido aplicada, por violação dos princípios do processo equitativo, da segurança jurídica e da protecção da confiança.

Em nossa opinião, e como tivemos oportunidade de defender noutro local, é esta a única leitura constitucionalmente adequada do regime em apreço, pelo que apenas nos resta aplaudir esta justíssima decisão. Apesar de a mesma, por si só, não inverter o panorama acima descrito, pela mensagem que transmite à comunidade jurídica já merece um lugar de destaque entre os mais notáveis arestos da história do Tribunal Constitucional.

Falta ainda percorrer - mormente pelos Tribunais administrativos - um longo caminho, rumo a um desfecho ainda incerto. Mas, independentemente do que venha a suceder, o Acórdão n.º 124/2015 do Tribunal Constitucional é, neste momento, a luz que aponta o caminho para resgatar a justiça administrativa da escuridão em que, voluntária mas desnecessariamente, se vê mergulhada.

Artigo escrito segundo as regras do anterior acordo ortográfico.

Advocatus